Um dos principais detalhes que diferenciam a prosa do poema é a métrica. Métrica é a repetição de ritmos, de cadências de sílabas, para criar um padrão de regularidade sonora, assim como os mosaicos e os vitrais criam um padrão de regularidade visual. Modernamente, temos o chamado “verso livre” tão praticado aqui no Brasil, o qual é um meio-termo entre o verso metrificado e a prosa. Os poetas principiantes sentem um enorme alívio ao tomar conhecimento da existência do verso livre, porque não precisam ficar “contando nos dedos pra metrificar” e o tempo todo com aquele medo de estar produzindo o chamado “verso de pé quebrado”, aquele que não há quem consiga ler na cadência prevista.
Pensar que o verso-livre é mais fácil do que o verso-metrificado é o mesmo que pensar que pintura abstrata é mais fácil do que pintura figurativa. De fato, ambos o são, mas só num nível muito primário de abordagem. Concordo que é mais fácil besuntar borrões numa tela do que fazer um retrato de Dr. Lourival que fique parecido com Dr. Lourival. Quando chegamos a um nível mais alto, contudo, quando estamos falando de um pintor de verdade e de um poeta de verdade, ambos sabem que essa aparente liberdade é um desafio ainda maior do que o anterior. Trata-se de fazer borrões que signifiquem algo em si, sem referências ao “mundo das coisas”; e trata-se de produzir com o verso-livre ritmos muito mais complexos e variados do que o patati-patatá da métrica tradicional.
Assim como a poesia, a prosa também tem ritmo, mas este ritmo geralmente é irregular, ou seja, não vemos a recorrência de padrões, a repetição de cadências. É curioso observar como os escritores brasileiros usam o verso de redondilha maior (ou verso de 7 sílabas) no interior da prosa, principalmente quando tratam de assuntos regionais. Já li em algum lugar que a redondilha, o verso por excelência da nossa poesia folclórica e da Música Popular Brasileira, já se entranhou a tal ponto no inconsciente auditivo do nosso povo que o brasileiro já fala em redondilha, mesmo sem perceber. Isso é ainda mais notável na fala nordestina e, por extensão, na prosa nordestina.
José de Alencar ficou com o exemplo mais famoso ao escrever: “Ó verdes mares bravios da minha terra natal, onde cantam as jandaias nas frondes da carnaúba... Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda, perlustrando as alvas praias ensombradas de coqueiros...” Talvez não seja bem assim, mas estou tentando citar de memória para testar até que ponto essas coisas se fixam em nossos neurônios. As linhas famosas de Alencar, abrindo o romance Iracema, impõem de saída ao leitor uma cadência musical que, mais do que estimular nele a sensibilidade lírica, avisa-o de que o que se segue é um “rimance”, uma “balada”, uma história contada em forma de canção. Um romance que traz em si o DNA das histórias cantadas por poetas à luz das fogueiras, numa época em que poesia e narrativa eram uma coisa só.
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