segunda-feira, 29 de setembro de 2008

0566) Quaderna e a monarquia (11.1.2005)



No Romance da Pedra do Reino, o narrador, Dom Pedro Dinis Quaderna, é descendente dos fanáticos do movimento messiânico da “Pedra Bonita”, o qual redundou em 1838 no massacre de dezenas de pessoas. Trazendo em si o sangue desse bisavô (“El-Rei Dom João Ferreira-Quaderna, O Execrável”), ele sonha em restaurar um Império brasileiro e tornar-se soberano, valendo-se da lógica simples segundo a qual Rei é um sujeito que se auto-proclama Rei e massacra os discordantes. A História é escrita pelos vencedores. O Trono é de quem ganha a guerra.

Não que Quaderna tenha em si esse impulso Macbethiano. Longe disso. Sua vida, na Vila de Taperoá, na década de 1930, é organizar cavalhadas, administrar uma “casa de recursos”, matar charadas e discutir literatura com seus mestres e protetores, Clemente e Samuel. Quaderna sabe que é apenas “...um Poeta covarde, um Decifrador pacífico de charadas, um ex-seminarista e escrivão de gabinete.” Durante toda a juventude ele teve uma inveja ardente dos grandes cavaleiros medievais e dos grandes cangaceiros sertanejos, homens destemidos que montavam a cavalo e enfrentavam batalhas. Ele sabe que não tem esse estofo, essa têmpera, mas se consola pensando que, bem ou mal, é descendente de um assassino, de um fanático que sonhou com um Reino Encantado e sacrificou dezenas de pessoas, entre elas mulheres e crianças, na crença de que o sangue das vítimas desencantaria aquelas pedras.

Será que isto basta para tornar Quaderna um nobre? Quem o consola é seu mestre, o Professor Clemente. Diz Quaderna, no Folheto 4: “Quanto ao Professor Clemente, provou-me ele, um dia, com exemplos tirados da ´História da Civilização´, de Oliveira Lima, que todas as famílias reais do mundo são compostas de criminosos, ladrões de cavalo e assassinos, de modo que a minha não era, absolutamente, uma exceção.”

E mais adiante, no Folheto 65: “Nessas questões de linhagem real, Sr. Corregedor, essas coisas pejorativas não têm a menor importância! Filipe, o Belo, da França, falsificava dinheiro, motivo pelo qual passou à História com o nome comprido mas bonito de Filipe, O Belo, O Moedeiro Falso! Ora, eu pensei assim: Se esse Rei da França falsificava dinheiro, que é que tem que meus antepassados, Reis do Povo Brasileiro, degolassem mulheres, meninos e cachorros? Crime por crime, os da minha família foram muito menos chinfrins, porque degolar pessoas é muito mais monárquico do que passar dinheiro falso!”

Quaderna sonha em ser Rei, mas não porque o autor do livro seja monarquista. Ariano Suassuna trata a Monarquia, em seu romance, como o típico sonho de grandeza dos pequenos. Quaderna é um personagem moralmente pequeno em suas ambições de ser Rei para se locupletar: “Fidalguia sem tenças, bolsas, comendas e estipêndios, não tem graça nenhuma!” Mas é grande, sem o saber, em seu sonho de Poeta, em sua percepção luminosa da tragédia que é o confronto entre o Homem e a Onça do Mundo.

0565) “Os Incríveis” (9.1.2005)



Assisti o desenho animado Os Incríveis, que recomendo a quem quer que tenha gostado de Toy Story e da série Pequenos espiões de Roberto Rodríguez, com Antonio Banderas. É uma mistura dos dois. Super-heróis correspondem ao perfil unidimensional da cultura de massas. Cada um é identificável por um superpoder: Fulano incendeia, Sicrano congela, Beltrano é super-veloz, Fulano tem visão de raio-X.... Fáceis de identificar e de catalogar, mais fáceis ainda de inventar.

Os Incríveis é para a galera de 8 ou 10 anos. Para a galera de 12 ou 15 anos, tem a série X-Men, que pega os mesmos personagens mas já projeta neles uma dose mais adolescente de violência, dramas psicológicos, um certo erotismo. Uma experiência recente e curiosa com esses personagens da Marvel Comics é a série em quadrinhos 1602, escrita por Neil Gaiman, mostrando o aparecimento de mutantes equivalentes aos X-Men, com os mesmos superpoderes, na Inglaterra elizabetana.

O que me levou a matutar: existem histórias de heróis com superpoderes escritas para adultos? Superpoderes físicos e mentais equivalentes aos dos X-Men? O que me vem logo à mente são clássicos da ficção científica como O Homem Invisível de H. G. Wells, ou o magnífico romance de Robert Silverberg sobre um telepata, Uma pequena morte (Dying Inside, Editora 34). Mas são, afinal de contas, histórias de ficção científica, onde os autores estão trabalhando dentro dos limites do gênero. Mesmo sendo grandes escritores, como é o caso, trabalham com um olho no texto e outro no contexto, nas regras não-escritas do gênero.

Na literatura fora das fronteiras de gêneros, encontram-se excelentes histórias de super-heróis. Lembro o formidável Grenouille criado por Patrick Suskind em O Perfume (Ed. Record), o sujeito que tinha o olfato mais sensível do mundo, capaz de distinguir milhões de cheiros a quilômetros de distância. Há O Passa-Paredes de Marcel Aymé, um sujeito capaz de atravessar paredes sólidas. Não sei se posso incluir nesta lista o protagonista de O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon, um sujeito cujos orgasmos são tão intensos que atraem bombas V-2 e mísseis para o local onde ocorrem. Há o protagonista de Fermata, de Nicholson Baker (Cia. Das Letras): um sujeito capaz de imobilizar o tempo, deixando as pessoas “congeladas” como estátuas, situação da qual ele se serve para, digamos, divertir-se inocentemente com as senhoritas à disposição de suas fantasias. Há Funes, o Memorioso de Jorge Luís Borges, o ujeito que tem memória total e é capaz de recordar tudo que viu, sentiu e pensou em cada segundo de sua existência.

Pessoas com super-poderes fazem parte de nossas fantasias e de nossa cultura. O cinema e os quadrinhos geralmente se concentram nas possibilidades de espetáculo e ação física que sua condição acarreta. A literatura explora sua carga mítica, suas fraturas psíquicas, suas inesgotáveis conexões simbólicas.

0564) O ator José Dumont (8.1.2005)



Em João Pessoa está acontecendo uma retrospectiva da carreira de José Dumont. Quem me dera poder ver essa Mostra, cujos títulos ainda nem sei quais são. Por um lado, para rever os trabalhos do ator; por outro, porque é meio difícil você ver Dumont trabalhando num filme ruim. Ele tem, no cinema brasileiro, a glória meio ingrata de ser considerado “o nordestino típico”, assim como Antonio Pitanga e Milton Gonçalves foram por muito tempo “o negro típico”. Dumont tem uma espécie de estigma, segundo o qual ele só poderia interpretar personagens nordestinos, pobres, paus-de-arara.

Dizem que Orson Welles escolheu Anthony Perkins para o papel de Joseph K. em O Processo porque ele se parecia com Kafka. (Aliás, se olhar bem para as fotos dele, Kafka tinha uma cara de cearense danada.) Isto pode até ser compreensível quando se trata de filmes sobre personagens históricos cujas feições são conhecidas e marcantes. Nicole Kidman teve que inventar um nariz novo para fazer Virginia Woolf. Anthony Hopkins fez das tripas coração para ficar parecido com Nixon. Will Smith deve ter mandado bater muito bombo em terreiro para baixar o espírito de Muhammad Ali.

Ainda assim, essa história de papéis serem conferidos devido a semelhança física, ou “plausibilidade facial”, sempre me pareceu esquisita. Por que motivo um ator com o tipo físico de Dumont não poderia interpretar, digamos, um banqueiro, ou um ministro de Estado, ou um xeique saudita, ou um intelectual? Aliás, poucos atores seriam tão indicados para este último tipo, porque Dumont possui uma tensão concentrada de quem está pensando com toda força, o tempo todo, sem parar. Seus gestos tensos, seus olhos intensos, sua verbalização fluente e aparentemente incontrolável, tudo isto sugere um indivíduo com a mente em ebulição. É diferente de escalar certos atores globais de colete e cachimbo, manuseando um livro de Freud, e citando filósofos europeus.

Falei na verbalização de Dumont, e é notório no mundo do cinema o fato de que ele é um ator que traz material para o personagem, pensa o personagem, cria junto. Sua capacidade para o improviso já era conhecida desde O Homem que Virou Suco até Gaijin, e voltou a ser lembrada pela crítica no recente (e ótimo) Narradores de Javé. E quem no cinema brasileiro já interpretou o delírio intelectual, o delírio de uma mente possuída por uma idéia científica, com a intensidade impressa por Dumont no cientista louco de Kenoma, da mesma Eliane Caffé?

O rosto, o corpo, os olhos e a voz de Dumont são a cara do Nordeste, e não vejo nenhum papel, nordestino ou universal, que ele não pudesse interpretar. Se eu um dia filmasse o Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna seria ele minha primeira opção para o papel de Quaderna. Ali está o Fogo: a intensidade quase assassina de um sonho impossível. E também o Riso: o que Suassuna chama “o desvio obsceno” e “a galhofa demoníaca”.

sábado, 27 de setembro de 2008

0563) Um Tsunami de números (7.1.2005)



O saite “Cockeyed.com” preparou uma curiosa comparação gráfica entre o atentado ao World Trade Center e o tsunami que devastou os países da Ásia. Segundo os caras, a Indonésia perdeu 53 Torres, o Sri Lanka 16, a Índia cinco, e assim por diante. Estes números, claro, já estão defasados. A quantidade de vítimas aumenta a cada dia que passa. E eu discordo um pouco da base de cálculo, que toma uma média de 1.500 vítimas por Torre. Pelo que me consta o número final (oficial) de vítimas do 11 de setembro foi de 2.749, mais os 19 terroristas (bem abaixo dos 6.300 que eram a estimativa feita nos dias seguintes).

Alguns artigos na imprensa têm comparado o número de vítimas e a população de seu país de origem, e ao que parece um dos países mais atingidos foi a Suécia. As praias atingidas pelo tsunami (Indonésia, Tailândia, etc.) eram um dos lugares preferidos pelos turistas dos países nórdicos. Havia cerca de 20 mil turistas suecos na região. No momento, 3.500 deles estão desaparecidos, provavelmente mortos. É mais gente do que morreu em Nova York no 11 de setembro. A última tragédia a que o país pode comparar esta foi o naufrágio de um “ferryboat” em 1994, quando morreram mais de 800 pessoas, entre as quais 551 suecos.

Em todo caso, esta algaravia numérica é para mostrar que eu também, como grande parte da imprensa e da humanidade alfabetizada, estou me entregando a uma reação nervosa típica de nossa civilização. Chama-se a isto “Quantificar o Impensável”. Toda vez que uma coisa é traumatizante demais, a gente a transforma numa coluna de números, e começa a compará-la com colunas parecidas.

Na primeira página de A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera comenta que 350 mil africanos morreram numa guerra tribal qualquer, e que isto não deixou marca nenhuma na História do Mundo. Na primeira página de Buffo e Spallanzani, Rubem Fonseca sonha com Leon Tolstoi molhando a pena num tinteiro e lhe dizendo: “Para escrever Guerra e Paz, repeti este gesto 1 milhão e 800 mil vezes.” Os números talvez não sejam estes, porque estou citando de memória, mas é o que menos importa. É o ato de contar coisas que nos sossega o espírito. Dustin Hoffman, em Rain Man, vê uma caixa de fósforos se derramar no chão e diz: “37”.

Saber quantos (não importa o quê) tem essa curiosa função pacificadora. Não é apenas o prazer do Tio Patinhas contando suas moedas e se orgulhando da sua fortuna. Contamos os infortúnios também, pelo poder mágico do número e da possibilidade de confrontação de séries numéricas (“Morreu um Maracanã de gente!”). Em colunas anteriores (“O império do número”, 17.7.2003, “O delírio quantitativo”, 9.11.2003, e outras) comentei essa perversão benigna de nossa mente. Sofremos muitos males sob a Ditadura da Quantidade, mas ela também nos ajuda a suportar as brabeiras da vida. É como contar os carneirinhos que entram pela porta do Matadouro, e adormecer em paz.

0562) Quaderna e os reis bastardos (6.1.2005)



A Editora José Olympio está para lançar uma nova edição do Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna, que estava esgotado e fora de catálogo desde 1976. Muito oportuno, até porque o autor tem muito mais visibilidade hoje na imprensa do que tinha na época do primeiro lançamento. Ariano é um sujeito polêmico, que diz o que pensa, e só pensa o que quer. No tempo da ditadura militar, muita gente via nele um sujeito excêntrico, que queria restaurar a monarquia no Brasil – ou seja, não o distinguiam muito bem de organizações de Direita como a paulista TFP (“Tradição, Família e Propriedade”). Ariano deu mais de mil entrevistas esclarecendo que sua admiração pela monarquia era de ordem puramente literária e simbólica, mas não adiantou muito. Foi rotulado como monarquista, e como monarquista ficou.

Ainda bem que o livro sai agora, e algumas pessoas que falam mal de Ariano terão a chance de conhecer sua obra. O Romance da Pedra do Reino é (à maneira de Cervantes) uma homenagem e uma sátira. Cervantes usou o Dom Quixote para satirizar os romances de cavalaria e seus leitores, mas por baixo de seu texto existe uma corrente de ternura e de admiração pelo universo anacrônico em que habita a mente do fidalgo. Cervantes admira os cavaleiros, admira a literatura de cavalaria, mas ao mesmo tempo sente que aquele tempo passou e que aquela literatura é insuficiente e insatisfatória para os novos tempos: ninguém é mais tão ingênuo assim.

No Romance da Pedra do Reino, Ariano trata de modo parecido a monarquia. É uma instituição gloriosa e anacrônica, conforme a vemos através dos olhos de Dom Pedro Dinis Quaderna, que, um pouco à maneira do Tartarin de Tarascon, de Daudet, é ao mesmo tempo um quixote e um sancho-pança. É um pretenso fidalgo deslumbrado pela grandeza cavalariana e pelas regalias sociais dos aristocratas, e um pícaro, um espertalhão cheio de truques e negociatas, disposto a qualquer manobra para satisfazer sua ingênua sede de fama literária e prestígio social. Diz Quaderna, no Folheto 53:

“Pode dizer, Excelência! Eu absolutamente não me incomodo mais de ser filho-da-puta! Ou melhor, de ser neto-da-puta, porque minha Mãe, coitada, é que era filha-da-puta, filha bastarda do Barão do Cariri e portanto irmã por vias travessas de Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto. Antes, eu ficava danado da vida quando alguém falava nessa filho-da-putice nossa. Mas lá um dia, numa discussão, Samuel declarou que isso de bastardia não tem a menor importância nessas coisas de fidalguia e linhagens reais, tanto assim que os Braganças, descendentes de Dom João I e Nuno Álvares Pereira, são várias vezes bastardos e netos de padre! Depois daí, fiquei descansado e perdi a vergonha!”

A nobreza real sonhada por Quaderna é forjada de vilipêndios, traições e adultérios; de delírios de grandeza e carnificinas entre mafiosos. É a tragédia shakespeariana de sempre, com gibão de couro e peixeira na cinta.

0561) Queremos filmes iraquianos (5.1.2005)



O New Statesman resenhou recentemente um livro de Atom Egoyan e Ian Balfour, Subtitles: on the foreigness of film, onde são discutidas questões sobre dublagem e legendagem de filmes estrangeiros. Existem países onde a legendagem é prática corrente (como sempre foi o caso aqui no Brasil), deixando-se a dublagem para os filmes infantis, ou para cópias especiais de filmes de sucesso. Em outros, todo filme é dublado. Um dos maiores sustos que tive na vida foi entrar num cinema na Espanha para assistir o primeiro Batman e descobrir que o mesmo era dublado. Era estranho passar a noite inteira ouvindo falar em “Hombre Murciélago”.

O autor do artigo cita a certa altura a crítica norte-americana B. Ruby Rich, que, defendendo a importação de filmes não-americanos para os EUA, diz: “É mais difícil matar pessoas quando você é capaz de ouvi-las falando. É mais difícil bombardear um país quando você já viu suas cidades em filmes aos quais se afeiçoou.” Eu, que sou um sujeito cheio de preconceitos, posso atestar a verdade desse argumento. Durante muitos anos detestei solenemente o Irã. Na minha mente, era uma porção de mesquitas repletas de aiatolás vociferantes e de assassinos fundamentalistas revirando o mundo à caça de Salman Rushdie. Foi preciso que filmes iranianos começassem a passar aqui no Rio de Janeiro para eu me tocar que o Irã não é muito diferente da Paraíba. É um país de gente comum, sacrificada, alegre, tentando viver suas vidas da melhor maneira possível. Tem suas excentricidades religiosas, mas quem somos nós, que vivemos à sombra de Frei Damião e do Padre Cícero, para estranhar as devoções alheias?

Nunca vi um filme iraquiano, mas, por associação de idéias, acabo imaginando (v. “O Iraque é aqui”, 23 de dezembro) que a diferença entre Iraque e Irã é mais ou menos como a diferença entre Alagoas e Sergipe. Para ser sincero, não acho que o brasileiro médio precise ver filmes iraquianos para se convencer de que aquele povo é parecido com o nosso. Quem deveria passar por esta higiene mental era o público norte-americano, para quem todas estas guerras são benéficas, mesmo que matem metade da população do país, porque a metade sobrevivente terá enfim a possibilidade de lanchar num MacDonald´s e de ver filmes de Julia Roberts.

Dizem que, nas antigas execuções por decapitação ou fuzilamento, a tradição de cobrir o rosto do condenado com um capuz provinha do receio de que se os carrascos cruzassem os olhos com os dele poderiam acabar se comovendo com sua expressão de súplica ou de terror. A gente mata com mais facilidade alguém com quem não tem uma relação próxima. Um carrasco (ou um Fuzileiro Naval) pode dizer a si próprio que é apenas um funcionário público, está apenas cumprindo uma ordem judicial, que não há nada de pessoal naquilo, e que não conhece aquele cara que está ajoelhado diante dele, com a cabeça apoiada no cepo, esperando o machado.

0560) Ou escreve ou endoidece (4.1.2005)



Peguei no ótimo saite literário The Elegant Variation uma pequena lista de instruções para escritores profissionais. Faço esta especificação pelo fato de que os escritores amadores não precisam de instruções, uma vez que só escrevem quando sentem-se inspirados. Os profissionais, no entanto, são obrigados a escrever todos os dias, tenham idéias ou não, vontade ou não. 

Vai daí que a Internet fervilha de páginas de conselhos, táticas e métodos para fazer com que estes pobres coitados cumpram seus prazos e não passem vergonha.

Ainda acho que o método mais eficaz é o que chamo “Método Garcia Márquez”, por ser o adotado pelo nobre escritor colombiano. Dizia o velho Gabo que só conseguira produzir todos aqueles livros porque tinha com sua mulher um acordo. Todos os dias, a uma determinada hora, ela o trancava pelo lado de fora numa saleta onde havia apenas uma mesa, uma máquina de escrever, papel em branco e (creio) uma moringa dágua e um copo. 

Ali ele tinha que passar seis horas por dia, escrevesse ou não. Depois de uma hora de tédio, sem fazer nada, o desespero era tão grande que ele sentava à máquina e acabava escrevendo.

Não é muito diverso o método que achei preconizado na lista, só que esta vem com mais detalhes, que julguei muito úteis. O leitor que confira, e me diga depois.

“Duas horas por dia. Nada de TV, de Internet, de livros, de telefone. Ou escreve, ou endoidece. Escrever cartas não conta. Ler não conta. Pesquisar não conta. Revisar o que foi escrito na véspera não conta. Só há duas opções: escrever texto novo, ou ficar olhando o monitor. 

"Algumas vezes, você vai ter um surto de inspiração e escrever sem parar durante três horas. Isto não lhe dá o direito de no dia seguinte reduzir o prazo para uma hora. São duas horas por dia, não importa o quanto tenha feito na véspera. Não adianta pedir para lavar o banheiro, consertar o vazamento, limpar a caixa-de-areia do gato. Não há desculpas. Você tem que usar aquelas duas horas para escrever.”

Tão pouco, não é mesmo? Creio que foi Rémy de Gourmont quem disse que toda sua obra foi produzida durante algumas horas de trabalho logo depois do despertar: “Trabalhava algumas horas, e o resto do dia era dedicado a viver.” 

Que cronograma esperto! Os indivíduos noturnos, como eu, depositam todas as suas esperanças neste apagar-das-luzes do dia, após a meia-noite. O dia inteiro foi passado em compasso de espera, pesquisando na Internet, respondendo emails, lendo. A hora da onça beber água é depois da meia-noite: aí o cabra diz a que veio. 

É pena, porque muitas vezes o dia foi tenso ou cansativo, e somente quando o relógio nos mostra 4 ou 5 da manhã, e não escrevemos nada ainda, é que temos de jogar a toalha e admitir que aquele foi um dia perdido. 

Duas horas! Dêem-me duas horas de trabalho vibrante e ininterrupto, todos os dias, e eu botarei no bolso Garcia Márquez, Rémy de Gourmont e todos esses pés-de-chinelo.




0559) Amílcar Quintella Jr. (2.1.2005)




Ofereço um milhão de dólares a quem me conseguir informações a respeito desse autor de um dos mais curiosos poemas épicos da literatura brasileira. 

Amílcar Quintella Jr. publicou em janeiro de 1957, pela Editora Iva (São Paulo) o livro A Atlântida – Poema épico de confraternização universal, com 360 páginas e doze Cantos, dos quais o mais longo é o Canto IX (154 estrofes) e o mais curto o Canto VIII (64 estrofes). 

As estrofes são as famosas “oitavas camonianas” de que é composto Os Lusíadas, com oito versos rimando ABABABCC. O livro tem prefácio do seu editor, Elói Braga Jr., e de H. de Brito Viana.

O poema é de especial interesse para nós, paraibanos. Ele descreve a vida dos habitantes da Atlântida, a destruição de seu continente, e a sua fuga em barcos através do Oceano. Eles chegam ao litoral de uma região chamada “Beracil”, onde, num local por nome “Pará-Hibã” encontram um riacho que denominam de “Im-gá”, e em seu leito um rochedo onde decidem gravar inscrições contando sua história. 

Cedo a palavra ao Poeta (Canto XII, estrofes 20 e 21):

O rochedo que vedes sobre o rio, 
por tudo e em tudo nos será sagrado: 
assemelha fantástico navio, 
em meio às mansas águas ancorado. 
Para o porvir, ao tempo em desafio, 
há de levar, por vossas mãos lavrado, 
a mensagem da nossa trajetória, 
e a das contínuas épocas de glória.

Nele, nossos artistas mostrarão 
as três primeiras levas, esculpidas; 
depois as dez seguintes gravarão, 
pelo vosso Profeta conduzidas: 
Neste quadro rupense ficarão, 
para ser algum dia revividas; 
e o mundo saiba tudo o que fizestes, 
e que jamais na luta esmorecestes.

A teoria de Quintella sobre as inscrições na Pedra do Ingá é fascinante, mas mais fascinante é a dimensão gigantesca da obra poética em que a expressou. O poema tem momentos de vívida descrição, fartura de rimas e de imagens, e em tudo e por tudo pode ser considerado um bom poema épico. 

Quem foi Amílcar Quintella Jr.? A bibliografia que aparece no volume enumera o livro de poemas A Capela da Estrada (1933), a comédia dramática Cair das Nuvens, uma versão poética da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, com o título Poema do Trabalho (1952), e alguns “romances radiofônicos”. 

A Biblioteca Nacional, do Rio, possui exemplar de A Atlântida, além de uma adaptação do próprio autor em forma de “roteiro cinematográfico” (79 páginas datilografadas), que lembra mais uma peça de teatro do que um roteiro, por constar apenas de diálogos, sem indicações técnicas ou decupagem.

Descobri este livro há cerca de dez anos, quando pesquisava a história da ficção científica no Brasil, e ele continua a ser um mistério. O poema é dedicado “A Assis Chateaubriand, cuja atuação jornalística tem ligado o Brasil a mais países do que muitos tratados internacionais.” Quintella teria sido um jornalista dos Associados que pretendeu homenagear o patrão através de seu Estado natal?









0558) Some strange music (1.1.2005)



Sou um fotógrafo sem câmera. Numa época saturada de arte conceitual, quem pode me negar o direito de tirar retratos puramente mentais das coisas que vejo à minha volta? Lá vou eu batendo pernas pela cidade, e quando vejo alguma cena interessante não preciso de mais do que alguns segundos para dar uma paradinha, prestar atenção com bem muita força, e depois seguir em meu caminho rumo ao Banco, que fecha daqui a cinco minutos. Pronto: a foto está tirada. O problema é que ainda não resolvi a questão de como criar um “fixador” mental, porque daí a poucos minutos ela volta a se dissolver em moléculas de esquecimento e entropia.

Dias atrás entrei no metrô e, quando o trem partiu, olhei em volta. Num banco próximo, havia um casal de adolescentes. Ambos vestiam o habitual coquetel de incongruências dos jovens de hoje, onde as roupas são cuidadosamente escolhidas para não combinar entre si. Estavam de mãos dadas, e dos ouvidos de ambos pendiam os fios dos fones de dois “walkmen”, o dela dentro da bolsa de pano bordado, o dele fazendo peso no bolso de cima da jaqueta de camuflagem do exército. A moça tinha uma expressão zen, beatífica, olhos entrecerrados, rosto ligeiramente voltado para cima: devia estar escutando as transcendências célticas de Loreena McKennitt ou os móbiles sonoros do Massive Attack. A cabeça dele, no entanto, mexia-se de um lado para o outro, ritmadamente, feito uma lagartixa com soluços, e não me perguntem que banda punk que ele devia estar escutando, pois não faço idéia dessas coisas.

Como diriam os cantores sertanejos: “É o amô-ô-ô!” Cada um mergulhado em seu universo íntimo, em suas próprias sonoridades e fantasias, mas ali, juntos, mãozinha na mãozinha. Para você estar ao lado de outra pessoa não precisa necessariamente estar compartilhando a totalidade de suas experiências. E aqui tiro um chapéu que nunca usei para Akio Morita, o presidente da Sony a quem devemos a invenção do walkman, esta preciosa engenhoca que nos permite escutar música personalizada sem a necessidade de nos isolarmos para isto. Vejo muitos críticos do mundo de hoje (todos eles, como eu, nascidos no mundo de ontem) dizerem que o walkman afasta as pessoas. Pois naquele vagão de metrô carioca tirei uma foto mental da prova em contrário. O walkman permite estarmos juntos ouvindo músicas separadas. Quantas donas-de-casa, mundo afora, não vivem forçadas a escutar o que lhes é imposto por maridos pagodeiros ou filhos heavy-metal?

Julio Cortázar, em Rayuela compara um casal a duas árvores lado a lado, capazes de entrelaçar suas folhagens, mas com os troncos erguendo “duas paralelas inconciliáveis”. Esta é uma metáfora vetorial, cujo sentido depende da ordem da leitura. Sou mais otimista do que Cortázar, inverto a direção, e digo que todo casal consiste, de fato, em duas linhas paralelas, podem estar mil quilômetros distantes, mas desde que estejam de dedos entrelaçados podem ouvir o que lhes dá na telha.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

0557) Feliz ano novo (31.12.2004)




Não peça nada a Deus. Seria um contra-senso Deus fazer algo por você. Digamos que o Mundo estava com problemas, pediu a Deus que mandasse algum tipo de ajuda, e Deus mandou você. Agora, é entre você e o Mundo. Te vira, véi.

Não peça nada ao Destino. Esta é uma grave contradição filosófica, daquelas de fazer Aristóteles se revirar na tumba. “Destino” é um futuro que já aconteceu, que não pode mais ser modificado. Não perca seu tempo.

Não peça nada ao Acaso. O Acaso é quem governa este Universo, e é da natureza dele não escutar pedidos, mas aceitar interferências. Interfira, aja, interrompa, redirecione, transforme. O Acaso agradece.

Não peça nada aos Santos. Santo não é quem toma providências: quem toma providências é médico, bombeiro, mecânico, assistente social... Santo é quem sofre sem se queixar. Deixe que sofram em paz.

Não peça nada ao Governo. O Governo é um brontossauro de cinqüenta patas e trinta pescoços, caminhando aos trancos e barrancos através da jângal antediluviana. Esperar dele alguma coisa que se aproveite equivale a subir pela sua cauda e ir morar numa choupana em seu dorso, tentando convencê-lo a seguir no rumo desejado. Esquece. Melhor ir a pé.

Não peça nada aos Bancos. Por definição, Bancos só dão remédio a quem vende saúde, só mandam marmitas gratuitas para os donos de restaurantes, e só oferecem absolvição espiritual aos cardeais do Vaticano.

Não peça nada às Autoridades. Autoridades são programadas apenas para obedecer ordens. Ou você tem cacife pra já chegar falando grosso, ou então é melhor deixar pra lá.

Não peça nada à Mídia. A Mídia acha que o anonimato é contagioso, e que a Fama também. Olhe pra trás, e veja se ela está indo no seu rastro ou não. Problema dela.

Não peça nada à Sorte. Sorte foi feita pra gente abrecar pela abertura, encostar no canto da parede, e dizer a que veio. Se você tiver pegada, a Sorte se derrete todinha.

Não peça nada à Humanidade. Ofereça e faça antes que ela peça. Existe no Universo uma Lei de Conservação da Energia Psíquica. Mais cedo ou mais tarde alguém fará o mesmo com você.

E pronto. Feliz ano novo, bibibi, bobobó. Vá à luta, meu camaradinha. Tá olhando o quê?


quarta-feira, 17 de setembro de 2008

0556) Os personagens da Pulp Fiction (30.12.2004)



A pulp fiction, as revistas de histórias populares que floresceram nos EUA entre as décadas de 1920-40, e à qual os nossos best-sellers contemporâneos tanto devem, é esnobada pelos críticos literários pelos seus evidentes defeitos, o que faz com que eles acabem se quedando desinformados para as suas numerosas qualidades. Como toda literatura destinada às massas, a pulp fiction recorre à repetição, ao clichê, ao exagero. É preciso seduzir o leitor (o qual se pressupõe um indivíduo comum, que leva uma vida rotineira), mostrando-lhe personagens extraordinários e acontecimentos sensacionais. A ficção popular precisa ser “larger than life”, maior e mais deslumbrante do que a vidinha a que o leitor está acostumado.

Histórias desse tipo não lidam com os personagens complexos a que nos acostumamos através da leitura dos grandes autores dos séculos 19 e 20. O leitor “popular”, o leitor de X-9 ou de Amazing Science Fiction geralmente não experimentou essas grandes obras. Ele se sente mais à vontade com personagens típicos em situações típicas: o Cientista Louco, o Repórter Destemido, o Arqui-Vilão, o Milionário Arrogante, a Lourinha Indefesa... Com dois ou três parágrafos, o leitor já percebe de quem se trata, já assinala o personagem com um rótulo que lhe é familiar, e pode continuar a leitura com o intelecto em ponto-morto.

Personagens caricaturais assim acabam não tendo muito peso, portanto o escritor popular precisa exagerar na descrição de suas características externas (para que o leitor, bem ou mal, consiga visualizá-los) e na descrição de suas reações emocionais. Veja-se esta descrição: “Enquanto avançava, seus olhos escuros pareciam calcinar a terra diante de si, irradiando uma claridade abrasadora que prenunciava sua reputação de severidade inflexível em todos os assuntos.” Não, coleguinhas, não é o Deus do Velho Testamento, nem o Odin das epopéias nórdicas, é apenas o Inspetor Fache de O Código Da Vinci. O escritor de pulp fiction precisa assombrar o leitor, o qual presume ter a sensibilidade um tanto embotada. Não é um policial qualquer, é um policial diante do qual o leitor exclama, impressionado: “Puxa vida!”

O autor da pulp fiction não está interessado em criar tipos humanos, está interessado em nos contar uma história interessante. Deus o abençoe por isto, numa época em que a chamada “literatura erudita” enroscou-se sobre si mesma num círculo vicioso de enredos minimalistas, personagens sem nome e ambientações abstratas. Os imitadores de Samuel Beckett ou de Clarice Lispector reduziram a uma caricatura o universo literário destes grandes autores. Vai daí, é bem vinda a injeção de vitalidade, de luzes, de cores, de concretude cotidiana, de imaginação e de tudo que os autores de pulp fiction e de best-sellers nos trazem. Seria excelente, para a literatura, que surgisse um seguidor de Dan Brown para cada um de Samuel Rawet. E vice-versa.

0555) Alguns filmes do ano (29.12.2004)


(A Arca Russa)

Todo crítico de cinema gosta de fazer sua lista dos “Melhores do Ano”, e resolvi fazer a minha. Não sou propriamente crítico de cinema, mas um comentarista de filmes, e a verdade é que vou muito pouco ao cinema. Não vi alguns dos filmes mais comentados deste ano: não vi Kill Bill, Peões, Olga, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Os Incríveis, As Invasões Bárbaras... Então não levem muito a sério esta lista, que não reflete o ano do mundo, mas apenas o meu. Alguns filmes foram lançados em 2003, mas só os vi em 2004. Sem nenhuma ordem de preferência:

DOGVILLE de Lars von Trier, um pesadelo sobre a crueldade e insensibilidade humanas, numa concepção cênica magistral que mistura cinema e teatro com rara eficácia. O RETORNO DO REI, o mais visualmente grandioso dos três filmes do “Senhor dos Anéis”, um filme para deleitar os olhos, e uma adaptação surpreendentemente fiel do livro de Tolkien. ALGUÉM TEM QUE CEDER, uma comédia meio bobinha, mas não é todo dia que você pode ver Jack Nicholson e Diane Keaton num mesmo filme, ambos mostrando na cara e no corpo a idade que realmente têm. A ARCA RUSSA, um plano-seqüência de quase duas horas de duração, no interior do Museu Armitage, em São Petersburgo. Uma experiência cinematográfica inesquecível, filme para comprar e ter em casa.

AS BICICLETAS DE BELLEVILLE, desenho animado francês com um traço invulgar, roteiro muito criativo, algo que deveria ser mostrado a todos os garotos que pensam que animação se divide entre Walt Disney e a Pixar. DIÁRIO DA MOTOCICLETA, um filme que só foi discutido por dois ângulos (“Che Guevara era bom ou ruim? O filme é brasileiro ou não?”), mas que seria um bom filme mesmo que fosse uma história de ficção, dirigida por um argentino. SHREK 2, uma gozação digital bem-humorada, intensamente referencial (tem uma citação ou paródia em quase todas as cenas).

FAHRENHEIT 9/11 de Michael Moore, um salutar exemplo de que não são apenas os soviéticos que fazem filmes de agitação e propaganda, os americanos também têm uma queda danada para o gênero. CRÔNICA DA INOCÊNCIA, história de um garoto que pensa ser a reencarnação de um garoto morto, filho de outra mulher; curiosa experiência narrativa de Raul Ruiz, chileno especializado em filmes muito pouco narrativos. O ESPANTA TUBARÕES, um ótimo desenho animado digital na linha de “Procurando Nemo”, meio inspirado no conto popular do alfaiate “Mata Sete”, um cara pacífico que é tido como valentão. MÁ EDUCAÇÃO, mais uma viagem típica de Almodóvar em tornos de seus lugares comuns (cinema, homossexualismo, crime passional, igreja), como sempre com um roteiro cheio de reviravoltas e com excelentes atores.

E desculpe se achou a lista desigual, caro leitor, porque não é a lista dos melhores filmes que vi este ano. Estes são todos os filmes que me lembro de ter visto este ano. Hoje em dia sou acima de tudo um escravo do DVD e da TV a cabo, mas a casa do cinema tem muitas moradas.

0554) O thriller de mistério histórico (28.12.2004)



Alguns amigos se queixaram de que num artigo recente eu teria esnobado O Código Da Vinci, o best-seller do momento. Ledo engano, meus camaradinhas. Eu adoro este tipo de livro. Aliás, quando um dia publicarem minhas Obras Completas em papel-bíblia, os netos de vocês perceberão que passei muito mais tempo da minha vida defendendo a pulp-fiction americana do que analisando a obra de Guimarães Rosa, meu escritor preferido. Nosso mundo acadêmico vive a debruçar-se sobre o escritor mineiro, e torce o nariz para a ficção popular. Por uma questão de equilíbrio, prefiro estudar o que os outros não estudam.

Li o livro de Dan Brown, e não o achei um grande livro, comparado com outros do mesmo gênero, o thriller de mistério histórico. Gostei muito mais, por exemplo, de O Clube Dumas, de Arturo Pérez-Reverte, que além da história bem concebida tem uma prosa rica e agradável, cheia de surpresas. Já O Quadro Flamengo, do mesmo Reverte, é mais propenso ao clichê e à escrita superficial, embora seja um livro de leitura tão fluente quanto o Da Vinci. No mesmo gênero, gostei muitíssimo mais de O Pêndulo de Foucault de Umberto Eco (livro que muitos compraram, alguns leram e poucos gostaram). Por que? Porque sou manipulado pela crítica e acho genial tudo que Eco escreve? Nada disso, uma vez que jamais consegui passar da página 20 do intransponível A Ilha do Dia Anterior. A gente se identifica mais com uns livros, e menos com outros; isto é tudo.

O Pêndulo de Foucault me agradou porque, para além de suas aventuras inverossímeis e suas criptografias obscuras, era claramente um livro pessoal, como o era O Nome da Rosa. Ali há trechos de uma juventude nas cidadezinhas de uma Itália fascista, que parecem embebidos de verdade, de vida vivida, de um “saber só de experiências feito”. Estes trechos compensam as longas citações livrescas. No livro de Dan Brown, fica muito visível a colagem da pesquisa feita pelo autor, que a cada passo interrompe a narrativa para nos dizer o preço da construção de um prédio, ou a origem do nome de uma praça. Na pulp fiction, vê-se com nitidez o trecho que foi “cortado e colado” para dar a impressão de erudição. Não é algo que o autor sabe profundamente, é algo que ele copiou de um manual para impressionar um leitor menos informado do que ele.

Por que, então, eu perco meu tempo lendo estes livros? Resposta: gosto de mistério histórico, gosto de narrativas que exumam fatos do passado e criam teorias conspiratórias sobre eles, reinterpretando a História, a Arte, a Religião... Se o autor o faz com muito ou com pouco talento literário é algo que pesa durante a leitura, mas para mim é secundário. Não é o estilo literário que procuro nestes livros (embora seja um prazer encontrá-lo, como em O Nome da Rosa), é a viagem misteriosa, a decifração de códigos, a aventura de pensar que o mundo é misterioso e cheio de verdades que ninguém ousou desvendar.

0553) Ronaldinho Gaúcho (26.12.2004)


Se alguém tivesse me perguntado “Você prefere que Ronaldinho Gaúcho ganhe o prêmio da Fifa de Melhor Jogador do Mundo, ou que o Flamengo escape do rebaixamento?”, eu hesitaria um pouco, mas diria: “Rapaz, dê logo o prêmio ao menino, e o Flamengo que aprenda.” Nada foi tão justo no futebol, este ano, quanto um prêmio assim para um sujeito que não apenas joga de uma maneira bela, mas que o faz com ênfase, com veemência, com eufórica convicção. Ronaldinho Gaúcho parece imbuído de uma missão no mundo: a de mostrar a todos esses cabeças-de-bagre e espíritos-de-porco que povoam o futebol brasileiro que é possível produzir obras de arte e ganhar jogos, sem que uma coisa prejudique a outra.

A primeira coisa que o vi fazer no futebol (eu e o Brasil inteiro) foi um gol (se não me engano, no Pré-Olímpico de 2000) em que ele entrou na área em velocidade, ergueu a bola meio metro com um toquinho do calcanhar esquerdo, e desferiu um tivuco que derrubou o goleiro pela mera deslocação do ar. Depois disto vieram lances memoráveis: o banho-de-cuia que ele deu em Dunga num Gre-Nal (“banho-de-cuia”, caros leitores de além Paraíba, é o mesmo que “lençol”), o gol espírita contra a Inglaterra na Copa de 2002, e, este ano, o rodopio que ele deu em cima de um zagueiro do Haiti antes de marcar o gol, no jogo da Seleção em Porto Príncipe. (Não venham com esse papo de que “no Haiti é fácil”. Quando um repentista faz um verso genial, tanto faz se ele está cantando com Pinto do Monteiro ou com Zezim Buchudo, é o verso que vale.)

No último jogo Barcelona x Real Madrid, há algumas semanas, quando Ronaldinho Gaúcho pegava na bola havia uma sensação de arrebatamento coletivo em todo o Estádio. Já experimentei momentos assim no futebol, momentos em que a bola chega num jogador e nosso gesto instintivo é ficar de pé, porque sabemos que algo grandioso vai acontecer. É por momentos assim que o futebol se justifica, é à espera de momentos assim que suportamos milhares de horas de tropeções, trancos, carrinhos, cotoveladas, maltratos à bola. Ronaldinho nos dá esta experiência porque nele se aliam força, elasticidade, rapidez, domínio de bola, e principalmente ousadia. A mesma ousadia que fazia Pelé apossar-se da bola e, em vez de esquivar-se ao combate dos zagueiros, partir na direção deles como se quisesse afugentá-los.

Dias atrás, ao fazer no finzinho do jogo um golaço que deu a vitória ao Barcelona, Ronaldinho Gaúcho saiu correndo pela lateral do campo, com o estádio inteiro gritando de forma ensurdecedora; as câmaras mostravam em close seu riso de delírio e desabafo, enquanto ele estava gritava: “Eu-sou-fo-da!” Alguns jornalistas criticaram esta reação, dizendo que era arrogância, “marra”, etc. Discordo, coleguinhas. Quando o cara grita aquilo, sabe que ninguém está ouvindo. É o desabafo de quem procurou o gol durante 89 minutos e finalmente o conseguiu, e logo um gol espetacular. Pode gritar, Ronaldinho, porque 2004 foi seu.

0552) O apóstrofo americano (25.12.2004)




Já falei aqui sobre os memes, os grãos de idéia ou de discurso que se instalam em nossa memória e passam a contaminar nosso pensamento, propagando-se para mentes alheias através da nossa fala, como se fossem vírus de computador (“Os memes”, 23.5.2003). 

Um subgrupo perigoso dessa categoria são os erros lingüísticos, que por alguma razão misteriosa parecem proliferar com muito mais facilidade do que os acertos. E dentre eles, o uso americanizado (e errôneo) do apóstrofo é um dos mais constrangedores. 

Peguem o carro e dêem uma volta. Em qualquer subúrbio de cidade brasileira existirá uma lanchonete chamada “Sanduíche´s”, ou um boteco simpático com o nome de “Mariângela Drink´s”, ou um motel chamado “Love Night´s”.

Meus amigos gramáticos explicariam isto melhor do que eu, mas posso resumir a questão dizendo que em inglês essa letra “S” precedida de um apóstrofo indica o caso genitivo ou possessivo. Assim, “Fred´s” significa “ de Fred” (incluindo as variantes possíveis: “algo que pertence a Fred”, “algo que se refere a Fred”, “algo que provém de Fred”, etc.). 

Também se usa para indicar a supressão de uma ou mais letras (como também ocorre no português), mas em geral é isto. 

O que ocorre é que o uso do apóstrofo em português é muitíssimo mais raro do que em inglês, e chega a ser mesmo um recurso sofisticado, coisa de literatos como Castro Alves que já começava um poema botando pra quebrar: “ ´Stamos em pleno mar...”

O brasileiro médio não é exposto às sofisticações da língua portuguesa, mas é expostíssimo às banalidades da língua inglesa, e nasce daí essa propensão a usar o apóstrofo simplesmente para adornar uma palavra no plural, para torná-la americanizada e mais chique. 

No exemplo inventado acima, “Mariângela Drink´s” leva a crer que aquele bar pertence a uma pessoa chamada Mariângela Drink. Para exprimir a provável intenção da proprietária, o certo seria dizer “Mariângela´s Drinks”.

O uso errôneo do apóstrofo é engraçado, mas mesmo certo ele se torna cômico quando aparece num contexto muito incongruente: “Mandacaru´s Artesanato” é uma coisa meio grotesca, parece um silicone fora do lugar, um enxerto de algo que não combina com o que tinha antes. 

O apóstrofo americano é patético quando revela a nossa fascinação abobalhada por tudo que nos venha dos EUA, por tudo que pareça conferir, pelos poderes mágicos do mero uso, um pouco de civilização, sofisticação, status social. 

Ele exprime também, por outro lado, a nossa adoração infantil pelas coisinhas bonitinhas cuja utilidade nos escapa, mas que nos seduzem pelo que têm de exótico e de “cheguei!”. Gostamos de apóstrofos do mesmo modo que gostamos de ípsilons e agás supérfluos, de piercings, de batoques enfiados no lábio ou na orelha, de dentes de ouro, de cílios postiços, de pega-rapaz na testa, de chaveiros com berloques, de fitas coloridas nas platinelas do pandeiro ou nas cravelhas da viola, de fazer rosca na ponta do bigode.




terça-feira, 16 de setembro de 2008

0551) O Natal de Raymond Chandler (24.12.2004)




O Natal se aproxima, com seu problemático coquetel de confraternizações e melancolias. Depois de uma certa idade, é o Natal que se transforma em nosso verdadeiro Dia de Finados. Por mais que a gente passe assobiando pelo tumular 2 de novembro, quando chega o Natal não tem remédio, a casa (ou pelo menos a memória) se enche de fantasmas. Estavam dormindo em paz nos oceanos do oblívio e lá vai a nossa saudade masoquista a despertá-los, trazê-los de volta à sala de visitas, para o milésimo flash-back dos tempos-felizes-que-não-voltam-mais.

Certa vez comentei aqui (“Uísque: cimento”, 31.7.2003) uma frase de Raymond Chandler que é talvez uma das mais cruéis que já se escreveram sobre esta data: “O Natal se aproxima, trazendo consigo todos os seus horrores ancestrais.” Chandler bem que tinha seus motivos para se arrepiar à simples audição de “Jingle Bells”. Viveu seus últimos dias na Califórnia, aquela mistura de shopping-center e zoológico humano, que provocava náuseas em seu lado aristocrático. Dizia ele: “As lojas estão cheias de um lixo inacreditável, e tudo que você procura já se esgotou. Pessoas com expressões tensas e agoniadas no rosto ficam examinando peças em vidro ou cerâmica, e sendo atendidas, se esta é a expressão correta, por débeis mentais que foram recrutados quando estavam em liberdade condicional do hospício, e que, se fizerem um enorme esforço, serão capazes de distinguir entre uma picareta e um bule de chá.”

Chandler tinha seus problemas. Sua mulher, Cissy, bem mais velha do que ele, teve uma longa e dolorosa doença pulmonar que acabou por matá-la em 1954. No final de 1951, Chandler escrevia ao seu agente literário Carl Brandt: “Tivemos um péssimo Natal. A cozinheira adoeceu, não fizemos peru, e minha mulher ou está de cama ou repousando a maior parte do tempo, tentando combater uma bronquite renitente. Swanie me mandou uma gravata de presente. É toda estampada com pequenos sherlock-holmes e pegadas sangrentas. Gostaria que os agentes de Hollywood não se sentissem obrigados a presentear seus clientes, até porque esses presentes são um termômetro muito fiel do status desses clientes. Um sujeito que chegou ao ponto de receber relógios de pulso e de repente volta a ganhar gravatas sabe exatamente qual está sendo sua cotação no mercado.”

Não, a culpa não é do Natal, é do que acontece no resto do ano. Em 1952, Chandler escreveria, desta vez para o crítico inglês Leonard Russell: “Minha mulher está muito doente. Ela já voltou do hospital, mas ainda está muito fraca e continua acamada. Por causa disto resolvemos esquecer o Natal este ano, inclusive os cartões. Então, deixe-me desejar a você e a Dilly Powell o que quer que ainda exista de paz e felicidade neste mundo triste: coisas como crepúsculos vermelhos, o cheiro de rosas após uma chuva de verão, tapetes macios em aposentos tranqüilos, a luz de uma lareira, a presença de velhos amigos.”

Feliz Natal para todos.

0550) Outro doido na porta (23.12.2004)





(pt.inmagine.com)

O escritor Tim Powers conta de um tio seu que trabalhava numa repartição pública onde de vez em quando, por algum motivo, aparecia gente doida atrás de emprego. 

Uma vez um desses malucos baixou por lá e começou uma conversa que não acabava mais. Lá pelas tantas, começou a se queixar de que estava sofrendo interferências telepáticas de gente desconhecida. “Ficam invadindo minha mente, mandando energia negativa,” queixou-se ele. 

O tio de Powers teve uma idéia brilhante. Pegou uma correntinha de clips que alguém estivera fazendo, pendurou mais uma dúzia de clips na ponta e estendeu para o cara. 

“Ponha isso em volta do tornozelo,” explicou, “prenda, dando um nó, e aí deixe a ponta mais comprida arrastar pelo chão.” 

O doido pegou a correntinha, ainda meio na dúvida: “Mas para que?” 

Ele respondeu: “Ora, já ouviu falar em fio-terra? Com isso, as emissões telepáticas vão passar direto para o chão, sem lhe afetar.” 

O doido só faltou beijar-lhe as mãos, amarrou a correntinha no tornozelo e foi-se embora feliz da vida.

O remédio pra um doido é outro na porta, diz a sabedoria popular. Isto é apenas o reconhecimento de que para dialogar com uma pessoa é preciso entender o pensamento dela, ou, como dizem os filósofos de verdade, “trabalhar com as mesmas categorias conceituais”. 

Cada doido funciona de um modo diferente. Um amigo meu, quando era estudante de Medicina, estava dando plantão num hospital psiquiátrico, e de madrugada um paciente que sofria de “delirium tremens” começou a gritar. Ele foi ver o que era, e o cara estava encolhido no canto do quarto, dando tapas nos próprios braços: “As aranhas, doutor... Eu estou coberto de aranhas!” Ele explicou: “Calma, Fulano, vou lhe dar um remédio, mas não tenha medo. Elas não existem.” O paciente retrucou: “Eu sei que não existem, doutor, mas são muitas!”

Há numerosos episódios na história da Psicologia e da Psicanálise de médicos que, para melhor adquirir a confiança e a empatia de seus pacientes, procuram identificar-se com seus delírios e, a partir de certa altura, começam a ter dificuldade para tocar no chão com os próprios pés. 

Existe uma lógica perversa e sedutora no modo como a mente dos loucos encaixa idéias umas nas outras, principalmente nas articulações lógicas dos delírios paranóicos. Um paranóico é um cara que apela para o que temos de mais perigoso em nossa mente, que é o sentido de causa e efeito, de concatenação lógica. 

Tudo que um paranóico diz faz sentido, porque todas as suas deduções ou induções são rigorosamente lógicas. A única maneira de invalidá-las é descobrir, no emaranhado de premissas com que ele nos desorienta, quais são as que não correspondem à realidade.

Raciocinar junto com um louco é como mergulhar no mar revolto para salvar uma pessoa que está se afogando. No momento em que os dois se abraçam e se debatem juntos, alguém vai levar alguém em alguma direção, e é um sujeito muito corajoso o que paga pra ver.







0549) De Fellini a Almodóvar (22.12.2004)


(Má Educação)

A obra de Federico Fellini, como a de Pedro Almodóvar, está cheia de prostitutas barrocas, homossexuais patéticos, padres enrustidamente libidinosos. Personagens que de início são vistos com zombaria infantil e depois com um espécie de cumplicidade madura. Parece que o autor, ao ficar mais velho, entende melhor as motivações daqueles personagens, cujo ridículo e tragédia vai se diluindo. Fellini foi substituindo a perplexidade excitada de um garoto, presente em Oito e Meio, A Doce Vida, Satyricon, pelo carinho paternal com que tais personagens grotescos são vistos entre Amarcord e E la Nave Va.

O espanhol Pedro Almodóvar tem uma predileção semelhante por este elenco de figuras excêntricas, e quando falamos de repressão católica, sexualidade latina e imaginação delirante, faz muita diferença ser espanhol ou italiano? Muito pouca. Em Almodóvar, no entanto, essas personagens mostram um lado mais dark, mais cruel. São capazes de praticar ações ou de arquitetar planos que nos fazem recuar com um calafrio. Soltar os travestis e os gays de Almodóvar num filme de Fellini seria o mesmo que soltar um tigre faminto num orfanato.

Vendo o recente Má educação, a idéia que me vem é que Almodóvar, mesmo com sua fascinação pelo bizarro e pelo grotesco, é menos um herdeiro de Fellini do que da secura emocional de Pasolini, de sua visão do sexo como um jogo de poder e fantasia onde o mais forte sempre desfruta o mais fraco e depois o descarta. E é mérito da riqueza psicológica da obra de ambos o fato de que muitas vezes são os personagens “do Bem” que fazem isto aos personagens “do Mal”.

Faço esta comparação porque a maioria da crítica cinematográfica insiste em tentar aproximar Almodóvar de Buñuel e de Carlos Saura, pelo fato de serem todos espanhóis, quando me parece mais relevante a afinidade de espíritos do que a coincidência de passaportes. Se existe algo de buñuelesco em Almodóvar isto se deve à semelhança que apontei no parágrafo anterior entre a trajetória repressiva e ambígua da Igreja Católica tanto na Espanha quanto na Itália (para não falar em outros países). Ao que parece, nenhum desses garotos que estudou em colégio de padres escapou incólume, quando mais não seja em seu imaginário. Mas o perfil emocional de Almodóvar, que tende sempre para a auto-confissão, o desnudamento, o exibicionismo, não se parece nem um pouco com o de Buñuel, um homem fechado em copas, rigidamente moralista.

Os filmes de Buñuel são lutas íntimas, sempre empatadas, entre um anarquista e um conservador. Os de Almodóvar são a celebração pública do triunfo de um sujeito reprimido que “soltou a franga” e não conhece mais limites. Má educação é um bom filme, mas em muitos momentos está mais próximo da superficialidade do “teatro de simulacros” de Brian de Palma. Talvez as melhores obras do cineasta, as de mais riqueza estilística e temática, continuem sendo Tudo sobre minha mãe e Carne trêmula.

domingo, 14 de setembro de 2008

0548) O Partido Fantasma (21.12.2004)



Alguns dias atrás (“O protagonista invisível”, 18 de novembro) comentei um curioso personagem de Hitchcock no filme Intriga Internacional: o agente secreto Kaplan, com o qual Cary Grant é confundido durante grande parte da trama, sofrendo seqüestros e tentativas de assassinato por parte de outros espiões. Só lá pela metade do filme Grant, que está no encalço do tal Kaplan, para saber por que motivo o confundem com ele, começa a interrogar os empregados do hotel onde ele se hospeda e descobre que na verdade nenhum deles o vira. A reserva é feita pelo telefone, a bagagem é remetida por alguém, as roupas são deixadas para lavar em cima da cama... mas ninguém jamais viu Mr. Kaplan em carne e osso. Pela simples razão de que ele não existe, é um personagem fictício criado pelo Serviço Secreto para... bom, vão ver o filme que vocês entendem.

Parece mirabolante? Não é tanto quanto a vida real. No começo de dezembro, um professor holandês confessou à imprensa que durante anos serviu de espião para o Ocidente junto à China comunista, fazendo-se passar pelo presidente de um Partido Comunista que simplesmente não existia. Pieter Boevé foi recrutado pelo serviço secreto holandês ainda muito jovem, após uma viagem à China para um desses encontros nacionais da juventude. O serviço secreto criou um fictício Partido Marxista-Leninista Holandês (MLPN) e Boeve durante doze anos atuou como presidente deste partido fantasma, fazendo repetidas visitas à China, onde era tratado com honrarias.

A farsa incluía a publicação de um jornal, De Kommunist, totalmente redigido pelo Serviço Secreto. Boevé, hoje com 76 anos, comenta que o MPLN foi o único partido radical totalmente forjado da História, e certamente o único que funcionou de fato. Boeve usava o nome-de-guerra de Chris Petersen, e o suposto partido gabava-se de ter 600 membros, mas o número real nunca passou de doze. Alguns eram comunistas sinceros que, como Paul Wartena, hoje professor da Universidade de Utrecht, doavam 20% de seus salários para a entidade. Wartena, após o desmascaramento público do MPLN, está exigindo que o Serviço Secreto holandês o reembolse.

Nada disto é estranho para quem leu 1984 de George Orwell (1949), onde uma célula comunista é criada pela polícia para atrair comunistas, ou O Homem que Era Quinta-Feira de G. K. Chesterton (1908) onde um policial infiltrado num grupo subversivos acaba descobrindo que todos os outros membros também pertencem à polícia. A história da espionagem é, para além do mero jogo político-ideológico e das atividades criminosas, uma das melhores alegorias para o caráter ilusório das atividades humanas. Como saber que alguém é o que diz ser? Como provar a alguém que somos o que dizemos ser? Como saber, dentro de nós mesmos, se somos de fato o que pensamos ser? A história da espionagem é talvez, reduzida aos seus termos mais simples, a mais metafísica das tramas policiais.

0547) O Silêncio do Delator (19.12.2004)



José Nêumannne acaba de lançar seu segundo romance, O Silêncio do Delator, pela editora A Girafa (São Paulo). É um livro caudaloso (540 páginas), mas que se lê num só fluxo: no começo o leitor custa a pegar o tom e o ritmo, mas depois que consegue passar terceira, vai em terceira até o fim. Nêumanne comenta a certa altura do livro que fez uma opção por um “texto zero”, ou “grau zero do texto”: uma prosa sem enfeites (ou com poucos enfeites), seu complexidades lingüísticas, aquilo que Isaac Asimov chamava de “prosa vidraça”, transparente, discreta, servindo de veículo submisso e silencioso para a passagem das idéias com um mínimo de refração.

Sou meio suspeito para falar do livro porque é a história da minha geração, que é a mesma do autor, ele mesmo ligeiramente mais jovem que eu. O livro é uma autópsia impiedosa (como aliás tudo que se faça a um cadáver) dos ideais cultivados pela chamada “geração anos 60”, a geração que foi adolescente nessa turbulenta década e que foi a única, até hoje, que acreditou serem possíveis os sonhos sonhados então.

A técnica utilizada é um coral entrecruzado de vozes (amigos da adolescência se reencontram na meia-idade, no velório de um deles) e de temas (sexo, drogas, rock-and-roll, revolução política, misticismo oriental, o Brasil). São monólogos interiores entre os quais se incluem o do defunto e o do autor, e ao pularmos de um para outro vamos percebendo as contradições, os desmentidos, os equívocos, os mal-entendidos entre aquelas pessoas que perderam a virgindade, experimentaram drogas e tiveram a idéia de derrubar o governo numa época em que se ia à loja da esquina para comprar o disco mais recente dos Beatles ou de Bob Dylan. As canções dos dois servem como roteiro, cada uma intitulando um capítulo do livro, e definindo o tema que os monólogos silenciosos se encarregarão de retomar e improvisar em cima.

A necessidade destes improvisos temáticos já é uma notável “constraint” (restrição auto-imposta), mas o autor se obriga a outra, ainda mais acrobática: evitar qualquer menção geográfica que possa situar a história num lugar específico. Somente um leitor campinense, e daquela geração, será capaz de reconhecer a precisão com que o espírito-do-tempo é captado, porque o livro prescinde totalmente dos adereços externos do realismo: nomes de ruas, lojas, bares, colégios... Sabemos que se trata do Brasil, e mais nada. O que talvez desaponte alguns leitores que, sabendo tratar-se de um “romance de geração”, irão procurar em vão a cor local, a “tranche de vie”, a “horta da Luzia”, as miudezas memorialistas a que a gente se apega tanto após certa idade.

O romance de Nêumanne não ocorre num vácuo, pelo contrário, ocorre no turbilhão de catástrofes políticas que lembramos tão bem. Mas seu passado é tão estilizado e impessoal quanto certos futuros da ficção científica, como o de Godard em Alphaville. É Campina Grande, mas poderia ser qualquer lugar.

0546) Cem milhões de origamis (18.12.2004)



Thaksin Shinawatra, o primeiro-ministro da Tailândia, está se defrontando com uma situação problemática em seu país. As províncias tailandesas do Sul são habitadas por muçulmanos, num país de maioria budista, e isto provoca freqüentes choques armados que só este ano já causaram mais de 500 mortes. O “premier” precisava de uma campanha de marketing para amainar o ímpeto separatista daquela região, para fazê-los sentirem-se amados e respeitados pelo restante da população, e aí teve uma brilhante idéia.

Todo mundo sabe o que é o “origami”, a antiga arte oriental de fazer figuras com papeizinhos dobrados. A garça de papel é considerada um símbolo de paz no Japão e em todo o Oriente. Shinawatra propôs à população que todos se unissem num mutirão cívico para fazer 62 milhões de garças de papel (uma para cada habitante do país), que no dia do aniversário do rei Bhumibol Adulyadej, 5 de dezembro, seriam atiradas do céu sobre as províncias do Sul. Instruções sobre como fazer a dobradura foram afixadas em edifícios públicos e divulgadas pela imprensa; postos de coleta para receber os origamis prontos foram espalhados por todo o país.

No último dia 5, mais de 50 aviões militares, cada um carregado com uma média de 50 mil origamis, fizeram repetidos vôos rasantes sobre a região do Sul, despejando sua carga de passarinhos de papel. Multidões se aglomeraram ao ar livre para recolhê-los, porque o Governo também baixou instruções sobre a coleta do lixo resultante do evento. E havia um prêmio especial para quem achasse um origami dobrado e assinado pelo próprio “premier”.

O número de origamis caídos do céu oscilou entre 60 e 100 milhões, de acordo com diferentes jornais. Algumas pessoas adoraram, outras torceram o nariz. Um muçulmano protestou: “Ninguém vai ligar para esses pássaros aqui, mesmo que eles fossem feito de dinheiro dobrado. Será que eles não entendem que um muçulmano não adora símbolos, adora somente a Alá?”

A primeira leitura que isto me sugere é pensar que não existem limites para o que se chama hoje “o Estado espetáculo”, os governos que transformam o ato de governar numa mistura de reveion, quermesse e parada de 7 de setembro. A segunda é que também não existe limite para o delírio dos poderosos. Eu bem gostaria de saber o que é que esse premier anda fumando. Mas a terceira leitura que me ocorre é ver o lado onírico, o lado poético dessa chuva de milhões de avezinhas brancas caindo sobre as cabeças de todo mundo. Existe poesia nisso, mesmo tendo sido idéia de um Governo para enganar os bestas. Existe uma beleza meio infantil nessa cena, que parece um quadro de Chagall, parece um conto dos cronópios de Julio Cortázar, parece um filme de Hayao Miyazaki (o que fez A Viagem de Chihiro), parece uma história em quadrinhos de Moebius. Ah, se toda bobagem inútil e megalomaníaca dos governos tivesse um resultado assim.

sábado, 13 de setembro de 2008

0545) Ratinho, a isca e a ratoeira (17.12.2004)


(Brian White)

Dias atrás estive participando de um ciclo de palestras promovido pela ONG “Leia Brasil”, numa mesa onde se discutiam assuntos ligados à indústria cultural. O mais interessante dessas discussões é que geralmente toma-se algum exemplo-símbolo de uma situação qualquer. Neste caso, as pessoas começaram a citar o programa de Ratinho como exemplo do que havia de pior na indústria cultural. De dez em dez minutos, lá vinha ele no meio de uma argumentação qualquer: “O problema de país é a baixa instrução, o pouco acesso à cultura, porque se as pessoas tivessem acesso à boa literatura elas não iriam assistir o programa do Ratinho”.

Coitado do programa do Ratinho, do qual não gosto nem um pouco, mas que acaba concentrando em si bordoadas que poderiam ser mais bem distribuídas. Em primeiro lugar, eu não acho que se toda a população brasileira de repente ficasse alfabetizada e culta esse tipo de programa iria desaparecer. O programa de Ratinho (pelo que me lembro dele, das 10 ou 12 vezes que o vi até hoje) se baseia num tipo de sensacionalismo que já vem desde a imprensa escrita, desde Gutenberg. É a exploração dos crimes, das tragédias familiares, dos episódios mundo-cão, de personagens grotescos ou ridículos, tudo isto misturado com uma atitude veemente de defesa da moral e dos bons costumes, e da “proteção às camadas populares”. A própria literatura de cordel, que tanto exaltamos, tem ciclos inteiros dedicados a explorar esse filão.

A TV americana faz a mesma coisa. Não é a escolaridade-média que resolve. Programas desse tipo sempre vão existir. Eles satisfazem algum tipo de fascinação mórbida que todos nós temos na direção do que é grotesco. Proibir esses programas (como alguns mais exaltados sugerem) não iria resolver nada. O problema não são os programas ruins, é o fato de que, sendo impostos de cima para baixo, a população se acostuma com eles e passa a tê-los como uma espécie de ritual diário. E o que leva a isto é a enorme concentração de poder nas mãos de uma meia-dúzia de grupos que controlam as telecomunicações.

Ratinho é apenas a isca da ratoeira. Ele serve como o chamariz para atrair a curiosidade meio doentia do público e fazer os níveis de audiência (e o preço do minuto de publicidade naquele horário) subirem à estratosfera. Se em vez de 3 ou 4 grandes redes de TV tivéssemos 30 ou 40, talvez tivéssemos dez vezes mais Ratinhos, mas nenhum teria esse mesmo peso, e as probabilidades de que surgissem programas de boa qualidade (do nossos ponto de vista) seriam muito maiores. Quebrar o monopólio das grandes redes, regionalizar a produção, é o único caminho para melhorar a TV. Muita besteira nova ia aparecer, decerto. Mas eu preferiria correr o risco de ter dez ratinhos em cada Estado, desde que as coisas boas que certamente existem em cada Estado, e que não têm vez nas redes centralizadas no Rio e em São Paulo, pudessem também aparecer.

0544) Ser gordo e ser magro (16.12.2004)


(Laurel & Hardy, 1956)

Não sei o que é mais triste: ser gordo ou ser magro. Digo isto, a bem da verdade, com o confuso sentimento de culpa daqueles que têm braços e pernas finos, e uma ligeira protuberância no equador-ventral, devida ao consumo indiscriminado de cerveja e sanduíches. O culto ao corpo (dietas, academias, malhação incessante) acaba se tornando uma escravidão. As pessoas consomem anos inteiros de suas vidas em busca de um ideal inatingível de perfeição. Por mais que se esfalfem, por mais que martirizem suas articulações e músculos, por mais que se encham de traumas e condicionamentos para evitar comer as coisas que mais gostam, jamais terão os corpos torneados e estonteantes dos rapazes e moças que aparecem nas capas das revistas.

Olho-me no espelho, e de perfil a minha silhueta lembra a do saudoso Marlon Brando em O Poderoso Chefão. Eu decidi me conformar com o que sou, mas não permitir que nenhuma característica minha se acentue mais do que as outras. Pretendo manter este peso, este formato e esta silhueta até o apito final, aumentando ou diminuindo as doses de alimentação e exercício conforme necessário. Já tive (não tenho mais) inveja de sujeitos bonitões como Brad Pitt ou Keanu Reeves. Quero ver esses caras quando tiverem a minha idade e meu saldo médio.

Passo pelas academias e vejo aquele monte de masoquistas se auto-destruindo (ver “Precisa-se de chapeados”, 19 de setembro). Levam uma vida de privações, de torturas auto-infligidas. São como a Pequena Sereia do conto infantil, que sonha em ter pernas como as moças de verdade, e quando as adquire descobre que o preço a pagar por isto é sentir, a cada passo, as solas dos pés sendo picadas por milhares de agulhas. As academias abrem aquelas vidraças amplamente devassáveis para nos lembrar esta lição metafísica: não há beleza sem sofrimento.

A contrapartida seria, então, abrir mão da Beleza e abraçar esta outra divindade sedutora, o Prazer. Cervejas e salsichas consumidas sem culpa na poltrona, assistindo futebol, corujão e talk-show. Doces e mais doces. Queijos, iogurtes, batatas fritas, xistudos, Big Macs, nuggets de frango empanados, todos eles acompanhados por niágaras de Coca-Cola. E uma pilha de livros junto do sofá, ao alcance da mão.

O Prazer, contudo, é uma divindade tão traiçoeira quanto a Beleza. Esta quer escravizar a nossa auto-estima, mas o Prazer vai igualmente longe, escraviza nossa força de vontade, transforma cada um de nós num títere, num fantoche dos próprios instintos. Tenho algo de puritano em minha formação que me faz ver com certo desprezo as pessoas que se entregam a um prazer sem limites. Não creio em pecado e não faço uma crítica moral: mas prefiro mil vezes a disciplina masoquista dos atletas à auto-indulgência dos que se empanturram de guloseimas (concretas e abstratas), dos idólatras que veneram o bezerro-de-chocolate, e que não conseguem dizer um “não” a si próprios.

0543) O cachorro sagrado (15.12.2004)


(Imagem: William Wegman)

Ouvi uma história interessante sobre um acadêmico que se dedicou durante anos a uma pesquisa sobre as possibilidades de consumo da carne de cachorro. Levando em conta que a população dos EUA (onde ele vivia) cresce a cada ano, ele achou que seria interessante considerar a carne de cachorro como uma possível alternativa de consumo. Fez todos os tipos de exames, em busca de possíveis toxinas ou outros elementos que desaconselhassem a ingestão de carne de cachorro. Não encontrou nada. É uma carne tão saudável e tão aceitavelmente saborosa quanto a de vaca ou a de porco. Então, ele fez a pergunta: Por que os americanos não comem carne de cachorro?

Chegou à conclusão de que eles não a comem por motivos espirituais. Assim como os hindus morrem de fome mas não sacrificam uma vaca, por razões culturais e simbólicas, os norte-americanos, tão pragmáticos, agem da mesma maneira com os cachorros, por motivos igualmente culturais e simbólicos. E o pesquisador, com uma certa ironia, disse que do mesmo modo que os hindus cultuam a Vaca Sagrada, os americanos cultuam o Cachorro Sagrado.

As razões neste caso não são religiosas, são sentimentais. Americano adora cachorro. Segundo um velho princípio na publicidade americana, qualquer coisa que mostre uma criança e um cachorro atrai a atenção e a simpatia do público. O cachorro não é propriamente um animal sagrado, porque não há motivação religiosa no seu culto. Mas pode-se dizer que é, nos EUA, um animal semi-humanizado. Posso estar enganado, mas creio que nenhum outro povo refinou tanto o conceito de “animal de estimação” (“pet”) quando o americano. É como se o poderoso empuxo da ascensão social das classes altas arrastasse para cima, na direção de “ser quase humano”, até mesmo os lulus e os totós que fazem a alegria daquelas famílias.

Ninguém comeria um bife de Lassie ou um filé de Rin-Tin-Tin. São criaturas parecidas conosco, às quais atribuímos, graças a uma dramaturgia que chega quase a ter algo de liturgia, emoções e desejos semelhantes aos nossos. Nos EUA existe um imenso folclore de episódios pitorescos ou bizarros envolvendo cachorros e seus donos, dos quais o mais reiterado é o do milionário que ao morrer deixa uma fortuna para o cachorro, traduzida em criados, moradia, alimentação de primeira, etc. e tal.

O cachorro dos americanos não passa de um tamagochi orgânico (ver “Gatos e Cachorros”, 8 de abril), beneficiário dessa imensa ternura represada que têm as pessoas ricas para com alguém que lhes dá carinho e aconchego e dos quais eles não precisam temer que estejam botando olho-grande na herança. O cachorro só quer uma comidinha quente, uma festinha atrás da orelha, e nossa presença. Ele nos adora: aquele arquejo não é cansaço, é a excitação dos apaixonados. Matá-lo, temperá-lo, cozinhá-lo, e servi-lo à mesa para saciar nossa fome nos transformaria em alguém pior do que o canibal Hannibal Lecter, que por alguma razão fascina os americanos.

0542) A volta do Inspetor Clouseau (14.12.2004)



Todo mundo gosta de fazer piada com os portugueses, inclusive eu, mas vejam só o que os nossos civilizadíssimos franceses andam aprontando. Dias atrás, a polícia francesa estava fazendo um treinamento com cães farejadores, no aeroporto Charles De Gaulle. Uma certa quantidade de explosivo foi colocada no interior de uma mala escolhida aleatoriamente numa esteira de bagagens. (Não me perguntem por que eles pegaram a mala de um pobre coitado, em vez de levarem uma mala deles mesmos. Não acho que o cachorro fosse perceber a diferença.) Em todo caso, os explosivos foram colocados na mala, e alguém foi buscar o cão.

Foi aí que alguém se distraiu... e a mala, com os explosivos dentro, foi colocada de volta na esteira rolante, que a levou embora. Ao chegarem os policiais com o cão farejador, estava o canto mais limpo, ninguém tinha idéia de onde a mala tinha ido parar. Cerca de 80 a 90 aviões estavam partindo do aeroporto naquele horário, entre as 5:30 e as 7 horas, e a mala poderia ter ido para qualquer um deles. Não houve como pegá-la de volta. O máximo que os franceses conseguiram fazer foi avisar as autoridades dos EUA para revistarem todos os vôos que chegassem do Charles De Gaulle. O que deu no belo bafafá. Um avião que desceu em Los Angeles, por exemplo, foi evacuado, as bagagens de 300 passageiros foram revistadas, e o vôo só prosseguiu rumo ao Taiti com várias horas de atraso.

A polícia apressou-se a explicar que não havia perigo de explosão, uma vez que os explosivos não estavam conectados a um detonador, mas duvido que isso me deixasse muito tranqüilo se eu descobrisse aquela má-notícia dentro da minha valise. São apenas 150 gramas, ou seja, dificilmente o portador da bagagem vai sentir um peso extra e desconfiar. Provavelmente ele só vai perceber o objeto estranho quando desembarcar aqui no Rio (sim, havia vôos de Paris rumo ao Brasil naquele horário), e não vai saber do que se trata. Mais paranoicamente ainda, podemos imaginar que o desafortunado passageiro estava indo na direção de Londres, e acabou sendo preso no aeroporto de Heathrow, sem saber explicar o que diabo era aquilo que trazia entre suas meias e cuecas.

Osama Bin Laden, no seu vídeo mais recente, divulgado há mais de um mês, dizia que iria destruir os EUA usando a própria força e riqueza destes. Disse ele: “Basta um árabe aparecer em qualquer recanto do seu país dizendo que pertence à Al-Qaeda para mobilizar um aparato militar e policial, e gastar centenas de milhares de dólares.” Há muitas maneiras de destruir um inimigo poderoso, um inimigo dado a excessos, um inimigo que tem muito poder e que na hora de um aperto é obrigado, pelo simples fato de dispor desse poder, a usá-lo em sua plenitude. Se Bin Laden quiser, leva os EUA à falência nos próximos 10 anos, sem precisar disparar um tiro sequer. Basta-lhe criar alarmas falsos e ameaças fantasmas. Além de contar com as ameaças que os próprios trapalhões que o combatem irão criar para si próprios.