domingo, 9 de fevereiro de 2014

3418) As estrofes da prosa (9.2.2014)



(Nabokov, O original de Laura)

O último livro deixado (incompleto) por Vladimir Nabokov foi O original de Laura. O livro existia apenas em forma de textos curtos em cartões pautados, essas fichinhas retangulares que a gente encontra em qualquer papelaria, em diferentes tamanhos.  Houve uma polêmica sobre autorização, mas afinal, publicou-se o livro (a edição brasileira é da Alfaguara, tradução de José Rubens Siqueira), com a reprodução de cada cartãozinho manuscrito.

Há escritores que fazem isso atribuindo um número ou sigla para cada episódio da ação, escrevendo-os em cartões e pregando todos na parede, onde é mais fácil brincar com sua ordem cronológica.  Em ambos os casos existe a percepção clara, antes mesmo de começar a escrever, que aquilo é uma unidade em si mesma, algo para ser trabalhado com sua própria sequência de efeitos.  Como acontece com uma estrofe na poesia.

Raymond Chandler também usava cartões, para disciplinar a prosa. Disse ele em 1957: “Eu faço todo o meu trabalho em papel amarelo, folhas cortadas ao meio, datilografadas ao longo do eixo maior, espaço triplo.  Essas páginas devem ter entre 125 e 150 palavras, e são tão curtas que a gente não consegue ser prolixo.  Se não houver alguma substância num trecho desse tamanho, tem alguma coisa errada.”

Chandler talvez pensasse tanto em termos de prosa quanto de enredo, mas mesmo um autor de prosa acelerada e pouco refletida como A. E. Van Vogt costumava dividir suas histórias em blocos de 800 palavras de pura ação; chegado esse limite, era preciso dar uma reviravolta na narrativa.  Van Vogt avisa (no seu ensaio “Complications in the Science Fiction Story”, 1947) que são 800 para ele, mas para outro escritor podem ser seiscentas ou mil. 

Muitos praticantes na FC do século passado tinham essa visão de uma história em blocos. Nenhum a teorizou tão bem como Lester Dent, o criador de Doc Savage, que em 1936 publicou um texto, conhecido como “Master Plot”, que forneceu sua fórmula mágica para histórias em torno de 6 mil palavras (tamanho ideal, achava ele).  Para Dent, a história se dividia em quatro segmentos bem nítidos (que ele explica em detalhe) com 1.500 palavras cada um. Diz ele que depois recebeu 780 cartas de jovens escritores agradecendo-lhe por terem seguido sua fórmula e conseguido vender sua primeira história de pulp fiction. (Sim, tudo isto está na Web.)

Nestes exemplos meio ao acaso dá para perceber que o burilamento do estilo talvez exija unidades bem menores, como as de Nabokov e Chandler, enquanto que a narrativa de pura aventura respira melhor adotando um ritmo de segmentos assim, mais largos, onde ela se desenvolva mais solta.