quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

2798) Eu não sou robô (21.2.2012)



A imagem do Segurança tremeluzia diante de mim, no saguão virtual. Era um homem de meia idade, terno escuro, olhos orientais. “O senhor está tentando acessar a sua conta de um terminal desconhecido”, disse ele. “Sim”, falei, “estou em viagem, em Bangcoc, preciso fazer uma transferência urgente”. “Seu código visual parece em ordem”, disse ele, “mas vamos ter que fazer um pequeno teste”. “Para quê?”, perguntei. “Para saber se o sr. não é um robô”. “Claro que não sou robô. Por acaso eu me pareço com um tonel de óleo?”. “A palavra robô é usada aqui como categoria abstrata”, disse ele, “e de acordo com o seu perfil de cliente, pois consta em nosso cadastro que o sr. escreve ficção científica”. “Amigo, eu vim à Tailândia receber um prêmio, tenho que trocar isto da moeda daqui para o real, pagar as malditas taxas, e creditar na minha conta no Brasil, porque meu voo para Moscou é à tarde”. “Sem dúvida, e parabéns pelo prêmio, estou conferindo aqui que o sr. é o primeiro escritor brasileiro premiado na Tailândia”. “Beleza, isso mesmo, fico grato, e mais grato ficarei se me deixar fazer minha transferência”. “Primeiro”, disse ele, “vamos ter que fazer um pequeno teste, para saber se o sr. não é um robô”. “Como assim, um robô? Vocês não tem minha imagem no cadastro, meu perfil vocal, essa besteira toda?”. “Senhor, a tecnologia avançou muito. Tem havido infiltrações nos cadastros, e sistemas de pirateamento estão usando robôs para milhões de tentativas simultâneas de acesso às contas. Preciso saber se estou lidando com um ser humano”. “OK, desisto. Faça o teste”. “Como o sr. descreveria o sabor de uma tangerina?” “Meu amigo, isso é uma brincadeira?!” “Sr. Braulio, esta é uma reação típica de um robô. A mudança de assunto”. “Mas o que diabo tem tangerina a ver com transferência bancária, e o que diabo sabor de tangerina tem a ver com robô?” “Um robô não tem experiências sensoriais, gustativas. Eu, por exemplo, sou um robô, e não saberia fazer essa descrição. Sua resposta será transmitida através de mim para quem possa julgá-la”. “Tá bom, tá bom. A tangerina tem um sabor doce, ácido. Um pouco mais adstringente do que uma laranja doce mediana”. “Obrigado.” “Passei no teste?”, perguntei. Ele: “Na verdade, queríamos apenas ganhar tempo enquanto redirecionávamos sua transferência para nossas contas clandestinas”, disse, e erguendo a mão arrancou o rosto. Por baixo dele, havia uma máscara de Guy Fawkes, que sorriu e continuou: “Somos os Anonymous, mané, e escritor que recebe prêmio de governo tem que dar sua contribuição à causa”. Deu um pipôco e sumiu no ar, deixando um cheiro adstringente de tangerina.