terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

3101) "Django Livre" (5.2.2013)





Este filme de Tarantino tem menos ousadia estrutural do que Cães de Aluguel ou Pulp Fiction, e não colide vitoriosamente contra a verdade histórica como Bastardos Inglórios. É uma espécie de exercício de estilo, e o que perde em inventividade consegue compensar com “panache”, como diria o Dr. Schulz.

O filme começa com um anacronismo estilístico: a ficha técnica passa, de tela em tela, em enormes letras vermelhas, algo que eu não via há uns 45 anos. A história tem uma sucessão linear de peripécias não-relacionadas, e nisto parece um romance picaresco ou de capa-e-espada, mais do que a estrutura afunilada e precisa do faroeste tradicional. O que aliás é muito adequado. Toda história de um escravo que conquista a liberdade e sai pelo mundo por conta própria se encaixa na tradição da narrativa picaresca.

Como Alexandre Dumas é citado, posso dizer que é uma espécie de história de vingança à la O Conde de Monte Cristo (Django tentando destruir os que maltrataram Hilde) e uma história de aprendizado como Os 3 Mosqueteiros (Django como aluno do Dr. King Schultz, um aluno que no final supera o mestre).

Tarantino só chama um ator se já sabe exatamente o que ele vai fazer. Todo mundo que trabalha nos filmes dele parece trabalhar com mais gosto, com mais “entrega”, como dizem os atores, do que nos filmes de outras pessoas.  Os personagens tornam-se imprevisíveis e verossímeis porque existe uma integração muito grande entre os ótimos diálogos dele e o modo como o dizem.

DL é um filme com muitos filmes. Quando no início Schulz diz a Django que está caçando 3 bandidos irmãos, pensei que o filme ia ser sobre isto. Que nada, os irmãos são abatidos em dez minutos. As aventuras são muitas, e Tarantino sabe fazer muito bem duas coisas: confrontos tensos em situações claustrofóbicas, com pessoas a ponto de serem desmascaradas, mas mantendo a encenação para salvar a vida, com todo sangue frio; e tiroteios furiosos, que é o que geralmente se segue a cenas assim.

“Eu sou um caçador de recompensas,” diz o alemão, “de modo que não sou muito diferente de um traficante de escravos, porque eu forneço carne humana em troca de dinheiro. Levo os cadáveres, e o governo me paga a recompensa”. O excesso de poder corrompe absolutamente, e ninguém pode dizer que no Sul dos EUA, antes da Guerra da Secessão, alguma coisa assim não aconteceu.

Uma das ironias do filme é reiterar a máxima de que um sujeito que só trabalha por dinheiro sempre se dá mal quando se mete a fazer um trabalho de graça para ajudar outra pessoa. A tragédia final de certa forma o redime das canalhices que praticou vida afora.