quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

3114) "Persona" (20.2.2013)












Revi este clássico de Ingmar Bergman, um dos mais meticulosamente belos que ele executou. É a história de uma atriz que teve um esgotamento nervoso e ficou muda (Liv Ullmann) e a enfermeira encarregada de cuidar dela (Bibi Andersson). O filme todo é um “pas-de-deux” entre elas. Logo no início do tratamento, vão para uma casa na praia, e lá ocorre o filme quase todo. A expressão “uma casa na praia” é uma das mais vulneráveis à geografia. A praia sueca de Bergman é pouco mais que um sertão: uma região em preto-e-branco coberta de rochedos, pedregulhos, lajedos partidos cheios de arestas e quinas agudas, um mar cinzento que fustiga sem cessar essa superfície árida, estéril. Uma praia que reaparece em outros filmes do diretor, como O sétimo selo, A hora do lobo, etc. Uma praia inóspita, cruel, sofredora. Depois não digam que eu não avisei.


Elizabeth (a atriz) não diz uma palavra; Alma (a enfermeira), fala compulsivamente, sem parar. E então, na convivência solitária das duas, algo começa a acontecer. Ao invés da enfermeira tratar da doente, é a doente que parece tratar da enfermeira, impondo sobre ela aquele terrível e pressionante silêncio do psicanalista sobre o falante indefeso que dá com a língua nos dentes no divã. Alma fala o tempo inteiro, sobre seus planos, seus projetos de vida, seu passado. Há uma cena famosa (que Godard confessa ter imitado em Week-end à francesa) em que ela conta ao longo de infinitos minutos uma experiência sexual que teve na praia, com uma amiga e dois rapazes desconhecidos. Alma se abre, se derrama sobre a sua suposta paciente, e esta, pacientemente, mantém seu silêncio. Como se as duas fossem vasos comunicantes e Elizabeth, num plano mais abaixo, sugasse para si tudo que há na outra.

E elas começam a se fundir, como duas partículas subatômicas que, submetidas a uma experiência, permanecem ligadas, mesmo distantes. Como se uma soubesse o que se passa na mente da outra. Há uma cena com dois monólogos sucessivos em que Alma, parecendo ler a memória de Elizabeth, descreve de maneira impiedosa os comos e os porquês de sua repulsa emocional pelo único filho. Ou na cena (de sonho?) em que o marido de Elizabeth confunde Alma com a esposa e Elizabeth, ao lado, aparentemente sem ser vista por ele, força a enfermeira a abraçar-se com ele, dialogar com ele em seu nome.

Bergman fazia um cinema de prospecção de camadas profundas da mente e da memória, que não se pode alcançar sem altos custos e sem altos sacrifícios. Tirando este aspecto, o filme é de uma linearidade e uma limpidez espantosas, graças às atrizes, à fotografia de Sven Nykvist e à música de Lars Johan Werle.