quinta-feira, 29 de outubro de 2015

3958) A ditadura do chiclete (30.10.2015)



George Orwell previu a TV onipresente e vigilante; Aldous Huxley previu as drogas recreativas. Disse ele que mais importante do que praticar violências contra a população é dar-lhe pão e circo. Hoje, as ditaduras eletrônicas cobram caro pelo pão e pelo circo, e todo mundo paga feliz. A publicidade vive a bradar: “Não se reprima! O mundo lhe deve todos os seus sonhos! Você está aqui para satisfazer seus desejos, e seus desejos são estes produtos que oferecemos aqui! Quem tentar impedir você de se divertir é um fascista.”  

Esta é a linguagem da publicidade, idioma preferencial do capitalismo de consumo. O desejo é o desejo de possuir alguma coisa que está à venda. A felicidade está mais no ato de comprar do que no de consumir, porque é o primeiro que é estimulado, e assim que ele se cumpre percebemos (meio inconscientemente) que o segundo não nos era tão indispensável assim. Na verdade eu não queria ler esse livro, queria comprá-lo.

O discurso publicitário pós-anos 1960, pós-contracultura, apoderou-se de todas essas senhas dirigidas à juventude: desejo, vontade, aventura, afirmação de independência, de liberdade, individualidade. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”. 

Como previu Huxley, as ditaduras do Super Ego repressor foram substituídas no Ocidente pelas ditaduras do Ego gratificado. O chiclete é mais eficaz do que o chicote. Em vez de reprimir, melhor manipular e direcionar os impulsos da multidão. Dar aos prisioneiros conflitos localizados e estanques, onde possam descarregar suas energias: o esporte, as eleições. A alternância de vitórias e derrotas que não mudam nada serve para dar a sensação de que “agora vai ser diferente”.

O próximo estágio é a participação eletrônica, interativa (vide as votações do “Big Brother”), que produz uma sensação de consulta democrática, “aqui quem decide é o povo”. Além de ser uma boa fonte de renda repartida entre a TV e as telefônicas, esse sistema serve de termômetro de opinião que ajuda o sistema a fazer correções de rumo, e um treinamento para que no futuro questões políticas como plebiscitos de mudança na Constituição venham a ser realizadas dessa forma (aposto como o Legislativo ainda vai permitir isso um dia).

A ditadura do chiclete e a democracia eletrônica se baseiam na infantilização do público e dos meios de comunicação, na brutalização dos conteúdos (para efeito de choque e catarse) e na perpétua reciclagem de preconceitos contraditórios, que nunca se resolvem porque são construídos exatamente para promoverem uma queima contínua de energia psíquica que se dirigida de outra forma poderia colocar em risco o sistema.