quarta-feira, 17 de setembro de 2008

0553) Ronaldinho Gaúcho (26.12.2004)


Se alguém tivesse me perguntado “Você prefere que Ronaldinho Gaúcho ganhe o prêmio da Fifa de Melhor Jogador do Mundo, ou que o Flamengo escape do rebaixamento?”, eu hesitaria um pouco, mas diria: “Rapaz, dê logo o prêmio ao menino, e o Flamengo que aprenda.” Nada foi tão justo no futebol, este ano, quanto um prêmio assim para um sujeito que não apenas joga de uma maneira bela, mas que o faz com ênfase, com veemência, com eufórica convicção. Ronaldinho Gaúcho parece imbuído de uma missão no mundo: a de mostrar a todos esses cabeças-de-bagre e espíritos-de-porco que povoam o futebol brasileiro que é possível produzir obras de arte e ganhar jogos, sem que uma coisa prejudique a outra.

A primeira coisa que o vi fazer no futebol (eu e o Brasil inteiro) foi um gol (se não me engano, no Pré-Olímpico de 2000) em que ele entrou na área em velocidade, ergueu a bola meio metro com um toquinho do calcanhar esquerdo, e desferiu um tivuco que derrubou o goleiro pela mera deslocação do ar. Depois disto vieram lances memoráveis: o banho-de-cuia que ele deu em Dunga num Gre-Nal (“banho-de-cuia”, caros leitores de além Paraíba, é o mesmo que “lençol”), o gol espírita contra a Inglaterra na Copa de 2002, e, este ano, o rodopio que ele deu em cima de um zagueiro do Haiti antes de marcar o gol, no jogo da Seleção em Porto Príncipe. (Não venham com esse papo de que “no Haiti é fácil”. Quando um repentista faz um verso genial, tanto faz se ele está cantando com Pinto do Monteiro ou com Zezim Buchudo, é o verso que vale.)

No último jogo Barcelona x Real Madrid, há algumas semanas, quando Ronaldinho Gaúcho pegava na bola havia uma sensação de arrebatamento coletivo em todo o Estádio. Já experimentei momentos assim no futebol, momentos em que a bola chega num jogador e nosso gesto instintivo é ficar de pé, porque sabemos que algo grandioso vai acontecer. É por momentos assim que o futebol se justifica, é à espera de momentos assim que suportamos milhares de horas de tropeções, trancos, carrinhos, cotoveladas, maltratos à bola. Ronaldinho nos dá esta experiência porque nele se aliam força, elasticidade, rapidez, domínio de bola, e principalmente ousadia. A mesma ousadia que fazia Pelé apossar-se da bola e, em vez de esquivar-se ao combate dos zagueiros, partir na direção deles como se quisesse afugentá-los.

Dias atrás, ao fazer no finzinho do jogo um golaço que deu a vitória ao Barcelona, Ronaldinho Gaúcho saiu correndo pela lateral do campo, com o estádio inteiro gritando de forma ensurdecedora; as câmaras mostravam em close seu riso de delírio e desabafo, enquanto ele estava gritava: “Eu-sou-fo-da!” Alguns jornalistas criticaram esta reação, dizendo que era arrogância, “marra”, etc. Discordo, coleguinhas. Quando o cara grita aquilo, sabe que ninguém está ouvindo. É o desabafo de quem procurou o gol durante 89 minutos e finalmente o conseguiu, e logo um gol espetacular. Pode gritar, Ronaldinho, porque 2004 foi seu.

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