quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

2764) A Mega Cena (12.1.2012)



(Rolling Stones, "O Banquete dos Mendigos")

A cena musical brasileira foi durante muitos anos uma espécie de Castelo de Caras, recebendo em seus esfuziantes salões aquelas poucas dezenas de felizardos que conseguiam o objetivo das gravadoras de discos: vender alguma coisa em torno de um milhão de discos. Isso bastava para que o artista mudasse de vida, mudasse de classe social, comprasse uma cobertura de frente pro mar, uma fazenda, meia dúzia de carros importados e assim por diante. Quantas vezes estive numa mesa de restaurante ouvindo alguém dizer: “Semana que vem embarco para Aruba com minha banda, minha equipe e minha família, por conta da gravadora. Vou passar uma semana lá, gravando o clipe do meu próximo disco”. Gravadoras sempre rasgaram montanhas de dinheiro com farras nababescas, lançamentos de discos com boca-livre e uísque importado dando no meio da canela, brindes e “kits” de divulgação cheios de riquetriques que enriqueciam os fabricantes sem somar nada ao disco divulgado. O objetivo dessa cena era espalhar pelo Brasil a idéia de que, fazendo o disco certo, cada um de nós podia virar milionário, comprar um avião, tornar-se príncipe sertanejo ou imperador do rock.

Isso ainda não acabou, claro. Olhem a programação das casas noturnas patrocinadas por telefônicas, ou os shows pagos por prefeituras pelo Brasil afora. Mas a atual cena da música está estrangulando esse degrau mais alto do pódio, que daqui a algum tempo talvez até desapareça. Ninguém mais vai vender um milhão de discos, ninguém mais vai comprar mansão com dinheiro de música, ninguém vai gravar clipe nas Bahamas nem marcar entrevista coletiva em Acapulco. O mercado se expande, mas sua tendência é se expandir mais horizontalmente do que verticalmente, em termos de cifrões – e não pode existir notícia melhor do que esta.

A cena musical megalomaníaca vai minguar e se extinguir. Em vez de um cara vendendo um milhão, teremos cem artistas vendendo dez mil cada um. Talvez isso não dê para eles construírem uma casa ou comprarem uma BMW, mas ora, quem tiver esses objetivos que se candidate a deputado! A música ficará para os que querem fazer música, não para os que querem ficar ricos. O objetivo de uma carreira musical será tirar um som, espalhar uma idéia, produzir uma emoção, alegrar uma galera, embalar um romance, atacar um sistema, captar um momento. Se a música é essa loteria imprevisível, onde o sucesso nunca está garantido, ela vai deixar de conceder o prêmio da Sena, e o máximo a que os artistas podem ambicionar é a Quina ou a Quadra. E teremos uma cena musical com milhões de músicos não-ricos, mas vivendo de música, em cada esquina e em cada quadra do Brasil.