sexta-feira, 10 de maio de 2013

3182) O sense-of-wonder (10.5.2013)






A expressão “sense of wonder”, um dos conceitos chaves da ficção científica, significa algo como “sentimento ou sensação de maravilhamento, de assombro, de deslumbramento” e busca reconstituir aquela epifania de olhos arregalados dos garotos de 11 anos que pegavam uma revista de pulp fiction como Amazing Stories e se deparavam com histórias sobre fendas transdimensionais através das quais se vislumbrava uma cidade futurista em outro planeta, ou uma máquina do tempo que levava caçadores para safaris jurássicos, ou a descoberta de uma Atlântida viva e florescente sob uma cúpula no fundo do mar, ou sobre três crianças tidas como retardadas que, juntas, compunham a mente mais poderosa da humanidade...

Era a sensação de ser capaz de imaginar um mundo além do mundinho restrito casa-cinema-parque-escola da maioria dos garotos urbanos, ou casa-riacho-cavalos-escola dos garotos rurais. A FC cresceu investindo na receptividade dos adolescentes às idéias malucas, idéias transgressoras, idéias fora de esquadro. Idéias que inquietavam e incomodavam os pais excessivamente preocupados com as notas do boletim e as futuras perspectivas de emprego. Faz parte de ser pai viver assim; e faz parte de ser jovem essa permanente disposição para se maravilhar, se entusiasmar, se apaixonar por idéias arrevezadas, teorias insólitas, enredos mirabolantes. Ser jovem é acreditar que tudo é possível. Quando a gente deixa de acreditar nisso, não importa em que idade, deixou de ser jovem.

Para um adolescente, não há muita diferença entre ler sobre o Budismo ou ler sobre o Mercerismo que Philip K. Dick inventou em Do androids dream of electric sheep?. Não há muita diferença entre EUA & Cuba e os planetas gêmeos (um capitalista, o outro anarquista) de Os despossuídos de Ursula Le Guin. Tudo existe no território impreciso das coisas que acabamos de conhecer. É mentira? É verdade? No momento não importa: importa a emoção vívida da descoberta, aquele “Puxa vida, nunca imaginei que...”, aquela mistura de êxtase, receio, curiosidade, vontade de seguir em frente para ver onde é que aquilo vai dar. Os garotos vão ser cientistas? As garotas vão ser romancistas? Não importa. Seja qual for o seu destino, serão, sempre, pessoas capazes do prazer de imaginar.

As revistas de FC dos anos 1930-40 tinham nomes onde apareciam palavras como “amazing”, “astounding”, “wonder”, “astonishing”, “fantastic”. Tudo que é extraordinário, maravilhoso, deslumbrante, imaginativo podia aparecer naquelas páginas amareladas onde ficou gravado o inconsciente coletivo de meio século de escritores para quem a Terra não era o bastante e o céu não era o limite.