quinta-feira, 7 de abril de 2016

4096) Como narrar histórias (8.4.2016)



(Emma Coats)

Volta e meia estou aqui comentando conselhos narrativos de Emma Coats, roteirista da Pixar que vive tuitando pequenas dicas. Alguns roteiristas curtem, alguns literatos acham meio plebeu ficar usando o cinema norte-americano como referência para a literatura. Ora, a arte da narrativa é algo que corta transversalmente tudo: literatura, cinema, teatro, histórias em quadrinhos, poema épico... A Narrativa tem certas regras topológicas internas que independem da linguagem utilizada. Contar uma história é uma arte transversal.

Nem toda regra se aplica a tudo, mas quanto mais atentarmos para elas mais perto estaremos de entender como se conta uma história. Estou falando de entender intuitivamente: aquele entendimento que vem de muita informação prática acumulada e que nos faz perceber de imediato o melhor caminho. É assim que um mestre de xadrez olha uma posição no tabuleiro e rapidamente elimina algunas dezenas de milhões de possibilidades nulas, para se concentrar na meia dúzia que podem dar-um-caldo.

Diz Emma: “Quando você estiver bloqueado, sem saber como avançar no enredo, faça uma lista das coisas que NÃO aconteceriam em seguida. Muitas vezes isso vai fazer aparecer as idéias para desencalhar sua história.” Esse conselho é hábil, porque quando queremos saber apenas o que DEVE acontecer, isso põe um peso muito grande na lógica, nas relações causa-e-efeito. Ficamos mais presos à explicação da história do que à dinâmica viva da história. E muitas vezes acabamos derivando para a região de alta redundância narrativa. Aquela guinada plenamente justificada mas que faz o leitor pensar: “Oi, era só isso?”.

Pensar no que não deve acontecer significa abrir diante de si mesmo todo o leque de opções da história. Se você admite que algo não deve acontecer aos personagens naquele momento é porque a narrativa está com um viés, com uma direção que precisa ser seguida. Às vezes a gente não percebe esse viés, está escrevendo somente pelo prazer de criar os episódios isolados, mas esses episódios podem estar pendendo a história numa direção geral que a gente não percebe.

Por isso acho interessante um aspecto do método criativo de William Gibson (Neuromancer), embora seja algo que eu jamais faria. Diz ele, numa entrevista recente à Paris Review: “Todos os dias, quando me sento com o manuscrito, começo na página 1 e releio o texto completo, revisando à vontade.” Quem faz isso todo dia percebe com muito mais clareza para onde a história está indo. É diferente de quem todo dia pega onde largou e, se estiver na página 120, a esta altura já esqueceu o que tem na página 50 (comigo é assim).