sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

3104) Dumas e Django (8.2.2013)





(Alexandre Dumas)

Muitos que assistiram Django Livre, de Quentin Tarantino, talvez tenham saído do cinema estranhando um diálogo. Alexandre Dumas era negro? De certa forma, sim, e no contexto de ódio racial do filme, era importante que um alemão mostrasse a um norte-americano que não existem “raças inferiores”, como ele imaginava. (Nada de mais – os norte-americanos vivem dizendo isso aos alemães há 50 anos; no cinema então nem se fala.) Um fazendeiro sulista e alourado trata os negros como animais, é todo metido a admirador da França, embora não fale dez mirréis de francês; bota o nome de D’Artagnan num escravo, e não sabe que o autor dos Três Mosqueteiros era mulato, da cor da Brunhilde von Shaft em volta de quem decorre o terço final do filme?

O pai de Alexandre Dumas era um general caribenho, nascido em São Domingos, vizinho ao Haiti. Foi o primeiro general francês com essa origem étnica; ganhou cargos importantes mas entrou em decadência por perseguições, inclusive por parte de Napoleão. Era, pelos retratos, um desses caribenhos de rosto cheio, nariz abatatado, bigodes e cabelos negros e fartos, um tipo como Gabriel Garcia Márquez ou como o Sargento Garcia do “Zorro”. Um tipo que esperamos mais de um mexicano ou colombiano do que de um francês.  Alexandre, assim como o pai, tinha o rosto bochechudo, e ao que parece aquela pele morena que chamam “cor de oliva”, que aqui no Brasil passa despercebido, mas na França destaca mais do que um letra maiúscula.

A mãe de Dumas era francesa, filha de um estalajadeiro. O filho dela foi produto de um intercurso étnico não muito diferente, em linhas gerais, do que produziu Barack Obama, filho de um queniano negro ilustre com uma anônima estudante branca no Havai. Alexandre Dumas enfrentou dificuldades em sua carreira, mas se impôs pelo espantoso sucesso popular de seus romances-folhetim, e pelo fato de que sabia usar sua riqueza para viver bem e agradar aos outros. Dumas talvez fosse da cor de Machado de Assis. Fico pensando qual dos dois chamaria mais atenção pelo aspecto mestiço, se um no Rio ou o outro em Paris.

Tarantino põe um alemão usando um exemplo francês para ensinar a um norte-americano como tratar os africanos. Ótimo.  Mulatos claros como Dumas, Machado, Obama, tenderão a passar cada vez mais despercebidos, a serem mais “default” a cada década que passar em paz naquele país, ou no nosso. Django Livre é um filme de vinganças. O ódio racial gera pessoas que diante de um copo de café-com-leite chamam aquilo de só-café; e outras chamam de só-leite.  O filme mostra que algumas das relações mais honestas e solidárias podem ser entre pessoas de cores diferentes.