quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

2781) Um bom game (1.2.2012)




(Fallout)

Um bom game do futuro será um que consiga usar os recursos específicos do game para fazer o que o romance literário fez no século 19 e o filme fez no século 20, ou seja, ser o modo preferencial de contação de histórias e de descobrimento do ser humano e do mundo. 

A palavra escrita já foi acusada de ser abstrata demais para poder contar coisas divertidas; a imagem, de ser demasiado concreta para poder dizer coisas importantes. 

As duas limitações foram pulverizadas. Agora, o que se coloca para os próximos tempos é a confluência de pelo menos três rios.

O primeiro é a tecnocultura vídeo-eletrônico-digital, com todas as revoluções que trouxe ao mundo nos últimos trinta anos. Uma tecnologia que permite algo que a Literatura a o Cinema jamais conseguiram proporcionar: a interatividade, a capacidade do ouvinte da história de interferir na história que está sendo contada (ainda que interfira dentro de limitações talvez inevitáveis), o do-it-yourself. A tecnologia sempre será a avalista da interatividade.

O segundo rio é o do próprio cinema, com toda a parafernália visual de 120 anos de narrativas visuais, sintaxe de câmara, de luz, de tudo. Os games do futuro serão eternamente devedores do cinema, a menos que a certa altura comecem a migrar dessa influência realista do cinema para a influência dos quadrinhos, com animação de desenho livre substituindo realismo fotográfico.

O terceiro rio é a literatura, porque é nela que vamos encontrar a espinha dorsal de tudo, a viga mestra de tudo, que é a Narrativa. A Narrativa está presente, por certo, nos filmes, nos quadrinhos, no teatro, e por aí vai, mas quem ajudou a Narrativa a nascer, a existir, foi, antes das outras, uma forma de expressão baseada na palavra, na literatura oral. A história contada em volta da fogueira, ou numa viagem tediosa, ou numa cerimônia, ou numa festa...  
A Narrativa começou com a palavra falada, certamente muito contaminada pela poesia, pela dança, pela desenvoltura física ao narrar. Muitos anos depois inventaram a escrita. Os primeiros escribas passaram séculos tentando produzir frases que exprimissem não apenas as palavras pronunciadas pelo contador-de-histórias, mas que produzissem, com outros meios puramente verbais, o grau de participação, empatia, intimidade instantânea com o que está sendo narrado.

O game do futuro terá a riqueza do romance histórico, as intrincadas peripécias dos romances-folhetim, os mergulhos introspectivos do cinema de arte, a imageria vívida da pulp fiction. 

Tudo isto em um jogo multiplayer, multi-universo, multi-estilístico, usando desde o desenho animado ao filmezinho de celular, desde abstração com massinha até hiperrealismo em nanquim.