quarta-feira, 27 de outubro de 2021

4758) Videogames, o cinema do futuro (27.20.2021)



Dias atrás tive um excelente papo online, de mais de duas horas, com o jornalista e professor Rômulo Azevedo e a jornalista e pesquisadora de cinema Maria do Rosário Caetano. Os dois são meus amigos de longa data, e foi um papo descontraído (e desconstruído) sobre a “Sétima Arte”.
 
Para quem se interessar, o link está aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=-ngq81cUEEk
 
No final, Rômulo contou uma das muitas histórias impagáveis da família dele (e de seu irmão gêmeo Romero). Os dois viraram cinéfilos, porque o avô e o pai eram donos de cinema em Santana do Ipanema, em Alagoas.
 
Quando o avô inaugurou o Cine Ipanema, naquele próspero município sertanejo, a população compareceu em massa na primeira noite. E na segunda. Só que na segunda Seu Zé em vez de entrar e ver o filme que trouxera, ficou fumando na calçada. Aproximou-se um conhecido:
 
– Oxente, Seu Zé!  O cinema é seu, e o senhor não vai ver o filme?
 
– Já vi ontem.
 
– Mas hoje o filme é diferente. Ontem foi um faroeste, hoje não é um filme policial?
 
– E então? Não é a mesma coisa? Uns caba correndo, dando tiros uns nos outros...
 
A história está completa aqui, no blog de Romero: https://memoriacineipanema.blogspot.com/
 
(Ser gêmeo tem essa vantagem – enquanto um fala, o outro escreve.)
 
A visão simplista do avô dos gêmeos sempre me pareceu hilária. Porque corresponde à visão primitiva que os próprios irmãos Lumière, inventores do cinema, tinham sobre essa maquininha de imaginar. Para eles, a máquina em si era o mais interessante. O fato de ela poder mostrar as pessoas correndo e dando-tiro umas nas outras. O assunto em si não tinha interesse nenhum.
 
Quem eram aquelas pessoas? Por que se perseguiam umas às outras? Por que davam tiros? Quem matou? Quem morreu? Ora, tanto faz.
 
O tempo mostrou como os Lumière estavam enganados. Tão enganados quanto Thomas Edison, seu concorrente na América. (Edison tinha inventado um cinema onde as pessoas botavam o olho no visor de uma maquininha e o filme passava lá dentro.) 

Edison não inventou o cinema, mas inventou o disco de vitrola – e achava que aquela voz gravada serviria para ajudar no estudo de idiomas. Não lhe passou pela cabeça que dali surgiria a indústria trilionária da canção popular.
 
É a velha história – a gente semeia vento e colhe energia eólica.
 
Existe algo parecido, agora em 2021, com a indústria dos videogames. Porque eu acho que o videogame está para o século 21 assim como o cinema estava para o século 20. A mesma explosão tecnológica, a mesma rapidíssima evolução ao longo das primeiras décadas. E a mesma incompreensão – porque os adultos pensam que aquilo é diversão de adolescentes, e porque os intelectuais pensam que é diversão de gente burra. Pode ser. Mas é a arte do futuro.
 
O escritor Tom Bissell, um aficionado, diz que a linguagem e a técnica do videogame evoluíram, no decorrer de vinte anos, “das inscrições rupestres à Capela Sistina”. Nem mesmo o cinema evoluiu tão depressa (em vinte anos, foi de Méliès a Griffith, o que não deixa de ser também uma façanha). 

 
Qual é o problema com os videogames? Para mim é simplesmente desinformação. E o desdém, o menosprezo, que essa desinformação acarreta.
 
As pessoas pensam que videogame é “uns caba correndo e dando tiro uns nos outros”. A mesma idéia que Seu Zé Francisco tinha sobre os filmes que exibia em seu cinema. Isso é muito irônico, quando pensamos que o mundo dos games é tão variado quanto o do cinema. Como explicar a uma pessoa que na vida só viu meia dúzia de “filmes de carro explodindo” que existem, além desses, filmes contando histórias de amor?  E filmes engraçados? E histórias de dramas familiares? Ela não vai acreditar.
 
Os videogames criaram um conjunto formidável de técnicas narrativas, todas elas baseadas na alternância entre “material pronto” e “material interativo”. A interatividade é o seu pulo-do-gato. O videogame é um filme semi-pronto onde você penetra, e onde quem faz o filme andar é você.
 
Todo mundo tem obrigação de gostar disso? Não. Assim como ninguém tem obrigação de gostar de Stanley Kubrick ou de Oscarito. O que acontece é que sempre tem gente pra gostar de alguma coisa, e também o fato incontestável de que a cada geração que surge o interesse pelas “Artes Interativas” é maior.

 
Aqui no blog já publiquei uma série de “sinopses fictícias” para tentar mostrar que variados universos literários e cinematográficos, já existentes, podem servir de inspiração para a criação de videogames. Com histórias onde possam aparecer eventualmente cenas de luta ou de batalha, mas que isso não impede a criação de tipos humanos, a profundidade psicológica, o retrato de um meio social...
 
O cinema fez esse trajeto. Por que o game não poderia fazê-lo?
 
CyBorges:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2011/02/2477-cyborges-game-1122011.html
 
Macondo, The Game:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2011/11/2727-macondo-game-30112011.html
 
Grande Sertão: The Game:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2011/04/2541-grande-sertao-game-2742011.html
 
…e outros. As possibilidades, como sempre, são infinitas.