sábado, 21 de dezembro de 2013

3375) O plot Rube Goldberg (21.12.2013)



Já falei aqui na coluna sobre um dos meus ídolos, o norte-americano Rube Goldberg (1883-1970), cartunista que ficou célebre pelos seus desenhos de máquinas complicadíssimas, cheias de elementos interligados surrealistamente para produzir efeitos bem bobos. Para acender uma lâmpada, Goldberg fazia um sujeito ligar um ventilador, cujo vento empurrava um barquinho num tanque, e o barquinho avançava até seu mastro desequilibrar uma calha, por onde rolava uma bola de ferro que caía sobre o prato de uma balança, e com isso fazia elevar-se o outro prato onde havia uma vela acesa, e a vela se elevava até a chama entrar em contato com um cordão esticado, e o cordão se rompia, e com isso liberava um peso, que puxava e largava a borracha de um estilingue, o qual desferia uma pedrada direto no botão do interruptor, acendendo a luz.

Isso lembra um pouco o Paradoxo de Zenão, que tem diversas formas de enunciação, mas em sua essência sugere que é sempre possível dificultar uma tarefa simples dizendo que para executá-la é preciso executar primeiro outra, e antes dessa uma terceira, e antes dessa terceira uma quarta, até o infinito.

Os roteiros do cinema, principalmente dos filmes de ação, assimilaram essa vertigem. Há uma coisa simples a ser feita (prender um bandido, resgatar uma pessoa, encontrar um tesouro, concluir uma viagem), mas é sempre possível ficar inventando peripécias e transtornos que cada vez deixam mais longe o objetivo final e aumentam o suspense: “Conseguirão os nossos heróis, etc etc.?”. Não devemos botar a culpa em Hollywood: que o primeiro culpado seja o Homero da Odisséia, porque bem que Ulisses poderia ter voltado para Ítaca em uma semana, mas o poeta danou-se a inventar ciclopes e Circes e comedores de lótus… Enfim: quando o herói chegou em casa só quem se lembrava dele era o cachorro.

Na pulp fiction e nas aventuras popularescas (de Fu-Manchu a Indiana Jones, de James Bond a Batman), nada exprime tão bem essa mentalidade barroco-masoquista do que as artimanhas dos vilões para matar o mocinho depois que o prende. Bastava um tiro na testa, não é mesmo? É um método muito popular na vida real, e infalível em 100% dos casos. Mas o vilão escolhe matar o herói depois de uma longa cena onde monologa didaticamente, explicando para o leitor/espectador um roteiro que até então nem mesmo o roteirista enxergava com clareza. E se retira do galpão abandonado deixando o mocinho vivo e atado a um poste, enquanto um relógio tiquetaqueia até a hora em que irá acender uma fagulha que irá acender um rastilho de uma bombinha que irá abrir um tonel de onde sairão abelhas assassinas, e bibibi, e bobobó.