sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

4423) A arte da astrologia (11.1.2019)



Uma vez, num programa de debates, alguém me perguntou por que eu não acreditava em Astrologia, e eu fui forçado a dizer que nem na Astronomia eu acredito muito. Aceito provisoriamente, como aceito qualquer teoria verossímil que me oferecem.

Até já escrevi em algum lugar: “Astrologia é a arte de adivinhar o futuro dos astros e estrelas da televisão”

Quando falei que não acredito na Astronomia não é porque questione suas premissas, é porque não perco nunca de vista certas limitações interpretativas de cada linguagem.

Meu pai tinha um livrinho atarracado, o Dicionário da Fábula, de Chompré, uma profusa descrição dos mitos greco-romanos. Me fascinava sempre o fato de cada deus daqueles ter duas encarnações, uma na Grécia e outra em Roma.

Zeus virava Júpiter, Ares virava Marte, Hera virava Juno e assim por diante.

Eu conheci primeiro os planetas, depois a mitologia. A palavra Júpiter não me lembra um homem barbudo sentado num trono: me lembra uma massa de gás turbilhonante de encontro a um vácuo estrelado.

Uma vez comecei a imaginar um universo alternativo onde os planetas do Sistema Solar são os mesmos, mas em sua versão grega. Em vez de Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão, seriam, pela ordem: Hermes, Afrodite, Gaia, Ares, Zeus, Cronos, Urano, Poseidon e Hades.

(Ao que parece, Urano tem o mesmo nome nas duas culturas.)

A Astrologia pega esse universo de coisas bem concretas e palpáveis, como um planeta, e os transforma em símbolos fugidios de uma fatalidade misteriosa e indecifrável. Influências boas e más, transições bruscas ou administráveis, todo um repertório de dramas e de almas e de destinos e de livres arbítrios.

Cada um de nós poderia criar uma astrologia própria, interpretando de alguma outra forma os dados crus da Astronomia. Pesquisando para a listagem acima, acabei sendo informado de que o trecho central do nosso Sistema Solar serve como uma espécie de árvore genealógica dos deuses: Marte é filho de Júpiter, que por sua vez é filho de Saturno, o qual é filho de Urano. Ao que parece, os nomes foram postos nesta ordem, com esta intenção.

Os signos têm essa simetria de doze que é uma coisa hipnótica. Dizem que o que há de mágico com o número 12 é o fato de ele se decompor e recompor com facilidade, em grupos de 2, de 3, de 4 ou de 6.  Qualquer estrutura ele se encaixa. Foi pensando nisso que escrevi muitos anos atrás um poema intitulado “Navegador”, que faz menção à “décima-terceira janela hexagonal do Universo”.

Os signos do Zodíaco têm a mesma função das cartas do Tarô ou das linhas do I-Ching. Eles não determinam nossa vida. Nada do que é nosso está “escrito nas estrelas”, nem nas cartas, nem nos búzios, ou seja lá no que for. São projeções: símbolos em aberto onde projetamos nossas interpretações num dado momento.

Um horóscopo é mais parecido com uma carta de Rorschach dos testes psicológicos do que com um mapa planetário. Vemos ali o que está dentro de nós, não o que está lá fora.

Dizer que Fulano de Tal é assim ou assado porque é virginiano ou aquariano é o mesmo que dizer que a pessoa é assim porque é de Oxóssi ou de Iansã. Existem arquétipos, e nós, porque somos humanos e crescemos dentro das culturas humanas, acabamos desenvolvendo características que correspondem a determinada faixa de uma lista de arquétipos que pode ser o Zodíaco, o Candomblé, o Tarô, etc.

Os signos não são realidade concretas, são projeções nossas. Tal como as constelações – que na verdade não existem, o que existe é um certo número de estrelas isoladas e distantes, sem nenhuma relação entre si, mas que o ponto de vista da Terra enxerga de maneira agrupada. E acaba vendo nelas uma cruz, um escorpião, um caçador...

O que existe de fato (e existe culturalmente, não fisicamente) são situações de vida e perfis de pessoa. Povos diferentes percebem esses tipos recorrentes e lhes dão nomes, personificações, e acabam criando mitologias inteiras, épicos entrecruzados que são uma das formas mais interessantes de literatura.

Achar que um astrólogo é necessariamente um charlatão é tão errado quanto pensar que ele está enunciando verdades científicas, concretas, que independem da consciência de quem interpreta e de quem ouve a interpretação.

A mitologia é uma literatura fantástica coletiva, cuja eficácia e poder atrator repousa no fato de que lida com tipos e situações presentes na vida real. Os signos não influem na minha vida, mas as interpretações que eu e um astrólogo podemos extrair deles, quando dialogamos, influi, sim, e muito.

Como diz a sabedoria popular, “feitiço bom é aquele que pega em quem não acredita”. Tudo depende do acreditar, do incorporar à própria consciência a fabulação criada por um “interpretador” a partir de uma carta de baralho ou da proximidade aleatória de algumas estrelas.