quinta-feira, 28 de junho de 2012

2908) O Quarto do Pânico (28.6.2012)




Recebi (não, desta vez não é piada) uma circular eletrônica enaltecendo a utilidade do Quarto do Pânico, e me propondo uma avaliação sem compromisso. Para quem não sabe, o nome desse produto vem do filme com Jodie Foster, em que ela e a filhinha se trancam nesse cômodo para escapar de ladrões que invadem sua casa.  Por causa do filme, o nome pegou, o que aliás não acho muito bom em termos de marketing – deviam chamar de “Quarto Salva Vidas”, “Quarto de Segurança”, algo com um astral mais positivo.  O tal cômodo é um aposento blindado, no interior da casa, onde os moradores podem se refugiar e se trancar por dentro na hipótese de um assalto.  O quarto tem blindagem para resistir até a armas de fogo pesadas.  Tem energia com “No Break”, independente do resto da casa.  Tem câmaras que monitoram as partes internas e externas da casa, para que a família, ao se esconder ali, possa ver o que está acontecendo à sua volta.  Tem linhas de comunicação (rádio, celular, etc.) com várias alternativas para pedidos de socorro à polícia, aos vizinhos ou a uma empresa de segurança previamente contratada.  Tem oxigênio, água, comida, tudo que as pessoas possam precisar para passar um tempo razoavelmente longo até que os assaltantes desistam ou o socorro apareça.

A instalação (é cara, viu?) geralmente aproveita um espaço já existente (closet, banheiro, etc.) que não perde a utilidade no dia-a-dia normal, mas fica acessível para que as pessoas cheguem rapidamente a ele, se fechem por dentro, e acionem o socorro. O Quarto do Pânico é a versão contemporâneo dos abrigos nucleares dos anos 1950-60, quando, principalmente nos EUA, havia o pânico de uma guerra atômica. Muita gente cavou porões e os equipou com ar condicionado, água, mantimentos, gerador de eletricidade, etc., para se esconder em caso de guerra. Devia haver condições suficientes para que a família esperasse a queda dos níveis de radioatividade lá fora (meses? anos? não sei).  Bob Dylan fez uma canção famosa ironizando esse medo, “Let Me Die In My Footsteps”.

Hoje não temos mais medo da URSS, nem sequer da Al-Qaeda: temos medo dos humilhados e ofendidos das nossas periferias urbanas, que cedo ou tarde perdem a paciência e, como o “cobrador” de Rubem Fonseca, vêm exigir uma parte do muito que temos, parte que eles consideram ser-lhes devida.  O Quarto do Pânico é, depois dos edifícios com câmaras de segurança e dos condomínios com guardas armados na guarita, o último refúgio de uma culpa que nos envergonha, mesmo quando não a assumimos. Nossa casa será como a “Casa Tomada” de Cortázar, pouco a pouco invadida por alguém cujo rosto não temos coragem de encarar.