terça-feira, 30 de maio de 2023

4947) "Editando a Editora": Maria Amélia Mello (30.5.2023)


 
Terminando de ler o livrinho bem cuidado e simpático da coleção “Editando o Editor”, da EdUsp. É uma coleção voltada para depoimentos autobiográficos de editores brasileiros, traçando sua trajetória, sua formação, e a sua atividade como editor de livros.
 
Em seu décimo número, a coleção mudou de nome para “Editando a Editora”... porque coube às autoras Marisa Midori Deaecto e Carolina Bednarek Sobral entrevistar a primeira mulher dessa seleção majoritariamente masculina.
 
Maria Amélia Mello é minha editora, e amiga desde que pus os pés para morar no Rio de Janeiro. Ou até antes disso, porque antes de alugar casa aqui pela primeira vez me lembro de ir visitar o Centro de Cultura Alternativa que ela dirigiu na RioArte (ela fala disso no livro), e de deixar ali meus cordeizinhos e provavelmente meu livro Sai do Meio Que Lá Vem o Filósofo (1980).  



(Maria Amélia Mello) 
 
Somos da mesma geração e não é de admirar tantas coincidências de filmes, músicas, leituras (ponha Cortázar, Campos de Carvalho...). Ela observa que desta geração em diante os cargos editoriais começaram a ser ocupados por pessoas que, como ela, vinham da área do Jornalismo. Comenta o susto que teve ao descobrir o quanto Frida Kahlo era famosa, e que o olho de um editor precisa se estender a todos os campos além das “Letras”:
 
Esta história demonstra que o editor tem que ser ousado, mas também muito atento, fazer as sinapses, as conexões entre tudo que está acontecendo na área cultural. (...) Quando entrei na [editora] Civilização [Brasileira], em 1978, havia pouco diálogo entre as áreas, os livros “apareciam” na minha mesa e ninguém sabia de onde saíam. Os editores vinham da Sociologia, História, Letras. Mas na década de 1990, na época de Frida Kahlo, havia muitos jornalistas migrando para o editorial. E jornalista é assim, tem agilidade, faz pauta, sabe quem pode escrever sobre um determinado tema, vai atrás de uma informação. Coisas que faltavam no mercado, para o qual a entrada dos jornalistas trouxe um novo fôlego. E uma curiosidade: a entrada de mulheres como editoras, em cargos de comando. (p. 123-124)
 
Eu sou principalmente um literato (poeta, contista, romancista) mas já trabalhei em jornal, estudei fugazmente num curso de Ciências Sociais, e sempre achei que o mercado editorial deveria servir a todos estes senhores. A Literatura é vista por uns como uma aristocracia do espírito, por outros como a prima pobre cuja fama se esgota na noite do coquetel. O(a) editor(a) tem que ter essa visão de perceber as diferentes frequências-de-onda de um livro de poesia e um tratado sociológico, de uma antologia de contos e uma biografia, de um romance e um livro de história do cinema. Não se pode tratar tudo isto com os mesmos modelos estatísticos, como se fossem creme dental ou cerveja.
 
Acho o olho jornalístico tão importante quanto o olho científico, o olho entretenimento, o olho show-business e muitos outros, porque em toda área existe a possibilidade de descobrir um livro novo, um livro bom, um livro que vai trazer uma nova voz, um novo enfoque. Não existe só a alta literatura. Existe o livro de boa qualidade, que não vai ser best-seller, mas que vende.
 
A presença de mulheres no mercado editorial é muito um fenômeno da nossa geração. Há muitas editoras (mulheres) que publicaram livros meus, e nesse “publicar” está incluído ler, avaliar, sugerir, mexer, questionar, fazer alertas, propor, dar forma final, divulgar. 

Posso estar esquecendo alguém, mas já tive livros meus editados por Andréa Mota (Pirata), Maria Emilia Bender (Brasiliense), Vivian Wyler (Rocco), Valéria Gauz (Biblioteca Nacional), Bia Bracher (34), Martha Ribas (Casa da Palavra), Clotilde Tavares (Engenho e Arte), Maria Amélia Mello (José Olympio), Renata Nakano (Casa da Palavra), Fernanda Cardoso (Casa da Palavra), Inez Koury (Bagaço), Lucinda Azevedo (Imeph), Sandra Abrano (Bandeirola)... Minha gratidão a todas, pela paciência e clarividência. 
 
Isto sem falar nas que me guiaram em mil outros trabalhos, como redator e tradutor. Algumas, em casas editoriais gigantes, outras em editoras da sala-de-visitas; não importa. 

E não se pense que não tive (e tenho) excelentes editores, talvez até mais numerosos. Far-lhes-ei a devida vênia no melhor momento.  São meus parceiros, eles e elas. Sempre que um leitor argumenta algo comigo nos termos de "Ah, mas o livro é seu", respondo: "O que é meu é o texto; o livro foi a editora que fez". O processo é sempre o mesmo: “isto aqui é bom, vale a pena gastar dinheiro para imprimir cópias numa gráfica e tentar vendê-las ao povo”. 

Existe um “olhar feminino”, um “radar feminino” na escolha e publicação de livros? É bem capaz, mas não me arrisco a defini-lo. Minha teoria básica é de que no plano literário tudo que um homem é capaz de pensar uma mulher também pode, e vice-versa. Para além disso, entram as histórias pessoais, as sensibilidades individuais, as leituras e experiências – que são sempre únicas, são só da pessoa. 



O bom é quando vem a encomenda, como no dia em que Maria Amélia me mandou um email pedindo um livro sobre Ariano Suassuna, que escrevi em dois meses. O ABC de Ariano Suassuna (José Olympio, 2007) não é um estudo aprofundado sobre o criador de Quaderna, mas me parece uma boa introdução ao universo variado e intenso que ele criou. 
 
Diz a editora:
 
Este “novo” editor participa das pautas, das vendas, do marketing, da divulgação, ou seja, de todo o processo. Nós fazemos, muitas vezes, até o preço do livro, pois quanto mais falamos em letras mais nos preocupamos com números. Esse diálogo é saudável, pois assim é possível encontrar o melhor momento para publicar um livro, lançando mão de ferramentas de outras áreas. Existe também a relação com sites, blogs, tecnologias, como as de printing on demand, que vêm ganhando espaço. Tudo para acertar mais nas escolhas, enxugar custos, evitar estoques e focar melhor. (p. 172-173) 
 
Eu tenho a sorte de poder publicar constantemente (um amigo meu diz que eu tenho mais títulos publicados do que exemplares vendidos). E sempre vejo no editor um parceiro de criação. O editor é o primeiro leitor de um livro, e mesmo que uma sugestão dele não seja aceita pelo autor, ela revela uma maneira-de-ler-aquilo para a qual o autor precisa estar atento. 
 
No fim das contas, o trabalho criativo de um editor é como o do antologista, função que exerço de vez em quando. É ficar atento para as coisas boas que aparecem ao longo das leituras, da vivência, das conversas. Perceber a qualidade e a novidade que há em cada uma, o toque diferente, relevante. Anotar muito, fazendo aproximações por diferentes associações de idéias (“isto aqui dá certo junto com aquilo”). Redescobrir coisas boas esquecidas; revelar coisas boas que acabaram de surgir. Compor, com obras alheias, uma vitrine capaz de revelar uma visão própria. 
 
Editar um livro é tratá-lo com mão de jardineiro para que ele floresça. (p. 172)