sábado, 6 de dezembro de 2014

3677) "Interestelar" - III (6.12.2014)



O filme de Christopher Nolan retoma o conflito entre duas mentalidades bem norte-americanas: os Fazendeiros e os Astronautas.  As duas são tratadas como missões quase heróicas, mas incompatíveis.  Os ruralistas e os high-tech. Eu diria quase “os Republicanos e os Democratas”, se não soubesse que isto é algo bem mais complexo.  Em todo caso, são os conservadores do que já existe e os descobridores de novas situações. E, nesse mundo específico, foram os hightech que destruíram o planeta; e foram incapazes de corrigir os erros que cometeram.  E os fazendeiros estão, com todo sacrifício, mantendo viva a última geração sobre a Terra.

Os Astronautas são os aventureiros, os desbravadores, os pioneiros, os argonautas, todos os que se lançam no desconhecido, sem medo, pela inquietação aventureira e pela sedução de mistérios em grande escala, mistérios sobre a natureza do mundo, que somente a navegação poderá esclarecer.  São como os navegadores portugueses e espanhóis que nos descobriram.  Há um diálogo no filme em que um dos astronautas olha para fora e se refere à parede de metal da espaçonave, e para além dela milhões de milhas de espaço vazio.  Reflete um texto do francês Jean de Léry (em sua História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, 1578) onde ele fala da coragem dos navegadores, e diz mais ou menos que “eu estava num porão, protegido por uma parede de madeira com algumas polegadas de espessura, e além dela somente a noite, o oceano, e os vagalhões da tempestade”.  Ser um aventureiro é sentir-se seguro numa situação assim.

Fazendeiro do Ar, título famoso de Carlos Drummond, descreveria bem o protagonista Cooper (Matthew McConaughey), um ex-piloto que mal cabe em si no papel de fazendeiro. Vive plantando milho e ensinando física à filha, doido para voar novamente.  É o típico herói popular norte-americano, que avalia com o mesmo olhar frio uma tempestade de poeira, um tsunami num planeta desconhecido ou a curvatura do espaço em volta de um buraco-negro.  A pequenez imperturbável do ser humano diante de um Universo que ele ousa habitar sem compreender de todo.

E o filme ainda ousa fechar-se num “loop” de causalidade, formando um paradoxo temporal positivo (uma viagem no espaçotempo que só se torna possível porque aconteceu e criou as condições para acabar acontecendo), uma reiteração de que a viagem não foi perdida, a aventura não foi em vão.  O filme parece dizer que é o amor pelos nossos filhos que transcende o tempo e o espaço.  É também o amor pelos livros que líamos e os filmes que víamos quando tínhamos a idade deles. Os nossos sonhos de juventude, os únicos que continuam jovens para sempre.