sábado, 24 de janeiro de 2015

3719) Sim, General (24.1.2015)


“Se tem uma coisa que eu não suporto, seja em quartel, seja em campo de batalha, é aquele sujeito da mentalidade que eu chamo Sim General.  É o cara que você diz: “Vá lá no meu alojamento e traga meu sapato marrom com cadarço amarelo”, ele pergunta: “O esquerdo ou o direito, General?”.  Não adianta querer dar um tiro nele. Não resolve.  Diga: “Os dois” e vá cuidar da vida. O mundo onde vive esse pessoal todo cheio de pruridos de especificidade é um mundo de infinitas pulgas, infinitos carrapichos.  Um mundo de muito cabelo branco e pouco sossego.

“No começo da guerra, quando estávamos passando-no-rodo as democracias vizinhas, tudo eram flores, tudo cheirava a fumaça comemorativa. Mas agora não.  Cada telegrama que é rasgado, aberto, erguido e lido por doze pares de olhos traz uma notícia pior que a anterior. O inimigo fecha o cerco, com tropas que pontilham a silhueta da colina como um mostrador de relógio.

“Nem sei se estou operando dentro das minhas prerrogativas militares e jurídicas, mas espero que sim, porque é apenas o mais desinteressado dos ideais que me move.  Mas tomo a iniciativa de denunciar: Quem nos destinou a nós, para o sacrifício?  Foram os políticos, meros civis, ainda menos preparados do que nós militares, mesmo admitindo que a maioria de nós passou de ano em ano pelo-pau-do-canto. Graças ao protecionismo deste ou daquele grupo, passamos, estamos aqui, e de repente querem que justamente nós ganhemos a guerra que eles declararam e ficaram assoprando as unhas nos seus gabinetes.  Me parece uma grande injustiça contra nossa geração. Na verdade nunca quisemos invadir ninguém, bombardear ninguém, dominar o planeta. Queríamos apenas um emprego com plano de carreira bem estabelecido e aumentos acima da inflação.

“E eis-me cercados de tecnocratas. Digo: “Bem, então amanhã vamos desembarcar na praia deles.” E os sim-general querem saber detalhes, miudezas: a que horas, com quantos homens, por que lado...  Eu os despacho da tenda aos pontapés.  Sou um general! Os técnicos são eles!  Eles que decidam essas picuinhas!  Já não basta a responsabilidade nossa?  Quem é que presta contas ao Estado Maior, ao Chefe Supremo das Forças Armadas?  (Que de quatro em quatro anos periga ser uma mulher ou um negro, ainda por cima!) Somos nós.  Não me perguntem detalhes: hora do desembarque, alvos da artilharia, cobertura aérea.. São minúcias técnicas, não venham a mim, perguntem aos técnicos. Eu é que corro o risco maior de todos, o de entrar para a História como “o General que perdeu uma batalha praticamente ganha”. E tudo que eu queria era um pijama e meia dúzia de medalhas.”