domingo, 29 de junho de 2014

3538) O esporte Breton (29.6.2014)



(ilustração: Chema Madoz)

Por que chamamos o futebol de “o esporte bretão”? Aliás, chamamos não, chamávamos, porque faz tempo que não vejo um coleguinha da imprensa escrever isto sem que seja “em contexto” (ironicamente, etc.).  Falar assim a cru, a sério, é para quem diz “o escrete canarinho”, “a número cinco”...  Um estilo em extinção.  Houve uma época, no entanto, em que dizia-se isso a três por dois, provavelmente para lembrar a todos que era uma arte vinda da Inglaterra.

Então, por que não dizermos “o esporte inglês”?  Porque a Inglaterra também é chamada de Grã-Bretanha.  Isso deixa uma curiosidade: esses dois nomes de país são sinônimos?  Não, explica um videozinho didático que vi por aí na web, explicando a complicadíssima relação jurídico-institucional-hierárquica entre as Ilhas Britânicas (olha o nome aí) e suas atuais e antigas colônias. É um negócio mais complicado do que a partilha do espólio do Império Romano.  

Acontece que quando eu ouvia falar “Bretanha” meu ouvido não me arrastava para a Inglaterra. Bretanha para mim era aquela região mágica do litoral da França, em forma de triângulo mineiro truncado ou leão ruginte, apontando para noroeste em pleno Atlântico. Uma região mística, pau-a-pau com São José de Belmonte e a Área 51.  A Bretanha francesa de Nantes, onde Julio Verne criou um futuro que só aconteceria retroativamente em forma de steampunk.  Bretanha de Ernest Renan, que botou sob o microscópio da História o DNA de Cristo. De Pierre Souvestre, o homem que criou Fantomas. 

É a terra dos bretões, nome dado pelos romanos: Britannia. Os bretões da Inglaterra (“britons”) tinham sua língua, seus costumes, e foram encurralados pelos romanos ilha adentro. Depois veio a briga-de-cachorro-grande, a batalha dos normandos contra os anglo-saxões, mas eles, sempre ali.  O mais famoso que herdou seu selo, foi, na minha discreta opinião, André Breton, mais em nome e espírito do que em berço (nasceu na Normandia francesa, outra mina de ouro pra quem faz minisséries de aventuras).  Breton foi o inventor do surrealismo, esse terremoto psíquico que liquefaz a consciência disciplinar que nos foi imposta e deixa o inconsciente de fogo falar suas palavras de fogo. O criador da escrita automática, das enquetes eróticas, da hipno-imaginação.

“Esporte bretão” porque é um esporte místico, misterioso, apocalíptico, supersticioso, ocultista, cortejador dos deuses venais e das vestais do mistério. O futebol é um balé coreografado por escritores assim. Uma coreografia de dois grupos de bailarinos em cima de um tabuleiro de xadrez, onde de vez em quando uma casa explode e leva consigo um craque-dançarino para o além. Ou um time inteiro.