segunda-feira, 12 de março de 2018

4324) Os Labirintos Aleatórios (12.3.2018)




(Arkádi & Bóris Strugátski, Piquenique na Estrada, Ed. Aleph, São Paulo)


Um subgênero fascinante da FC é o que eu chamo de histórias sobre “Labirintos Aleatórios”. São labirintos (geralmente construídos por alienígenas) cheios de armadilhas, por onde os personagens (em geral, astronautas terrestres explorando outro planeta) tentam entrar, mas são destruídos de maneira aparentemente aleatória quando pisam num certo ponto, tocam num objeto qualquer, etc.

O livro que me revelou esse tipo de trama foi Rogue Moon (1960) de Algis Budrys, um romance que mais de uma vez botei na minha lista dos “dez melhores da FC”.  Budrys escreve romances e contos tensos, com personagens duros, práticos, “no-nonsense”, de masculinidade agressiva. São histórias notáveis, de base científica sólida, premissas ousadas, ressonâncias metafísicas.


Rogue Moon fala da descoberta de um artefato na Lua, um labirinto que mata todo mundo que tenta entrar nele. Percebe-se que certos gestos, certos movimentos são capazes de detonar automaticamente o sistema de auto-proteção do artefato, mas só se percebe isso depois que o voluntário morre.

A solução é criar um “duplo” do voluntário: enquanto o original está numa câmera protetora ou coisa semelhante, o “duplo” vai lá no labirinto, morre, e o original (que guarda tudo na memória) está pronto para avançar mais alguns metros na próxima tentativa.

Um labirinto maior, do tamanho de uma cidade, é o que aparece em The Man in the Maze (1969), de Robert Silverberg. No centro dele está escondido um humano que é preciso resgatar. Mais uma vez, um batalhão de exploradores se submete às armadilhas aleatórias e automáticas que vão destruindo quem passa no lugar errado ou toca no objeto errado.


Foi sem dúvida com estes dois precedentes ilustres em mente que os irmãos russos Arkádi e Bóris Strugátski escreveram Piquenique na Estrada (1972 – publicado agora pela Ed. Aleph, com tradução de Tatiana Larkina), o livro que deu origem ao filme Stalker (1979) de Andrei Tarkovski.

A premissa: grupos de alienígenas realizaram visitações breves a seis pontos do planeta Terra, e ao partir deixaram atrás de si Zonas transformadas, com alguns quilômetros de diâmetro. Um cientista explica: é como se nós fizéssemos um piquenique na beira duma estrada, sem ligar para os bichos que habitam ali. E ao partirmos deixássemos para trás “óleo que pingou do um radiador, uma lata com um pouco de gasolina, velas e filtros usados, (...) panos sujos de óleo, as lâmpadas queimadas, uma chave de fenda que alguém esqueceu na grama.”

A Zona está coberta de coisas inexplicáveis como as “carecas de mosquito”, pontos de alta gravidade que destroem, achatando, qualquer criatura que os cruze; “gotas negras”, que refletem com atraso os raios de luz; “fantasmas alegres”, turbulências no ar; o “moedor”, que arrebata no ar os indivíduos que o cruzam, e retorce seus corpos.


O “stalker” é justamente o cara que presenciou tudo isso e mapeia os trechos por onde não se deve passar; porque todos vão em busca de artefatos para vender, e da Esfera Dourada que (reza a lenda) é capaz de realizar os desejos de quem se aproximar dela.

A tradução recente da Editora Aleph inclui dois itens preciosos da edição norte-americana: o prefácio de Ursula LeGuin e o posfácio de Bóris Strugátski descrevendo a “via crucis” do livro sob a censura soviética.

Estas histórias têm a ver, como parâmetros e precursores, com a trilogia “Comando Sul” de Jeff VanderMeer: Aniquilação (2014), Autoridade (2015) e Aceitação (2016), pela Ed. Intrínseca, tradução minha.

Na história de VanderMeer temos também uma zona, a Área X, que foi aparentemente visitada por extraterrestres, ou está sofrendo espontaneamente uma mutação, isolada por um campo de força que tem apenas um ponto de entrada.

Grupos de cientistas e soldados penetram por ali e se deparam com fenômenos inexplicáveis: uma torre que desce de chão adentro, onde uma criatura viva escreve frases místicas nas paredes com fungos luminosos; animais que têm olhos de seres humanos; vestígios de chacinas inexplicáveis entre os membros das expedições anteriores.

E mais, uma vez, quem entra ali morre de maneiras inexplicáveis, ou sofre metamorfoses bizarras, ou retorna, semi-amnésico, para morrer de câncer logo após.


Estas quatro obras, vistas em conjunto, exprimem uma área da ficção científica que eu considero muito mais interessante e mais plausível do que o subgênero conhecido como “invasão da terra”, em que somos surpreendidos por alienígenas com exércitos semelhantes aos nossos, armamentos semelhantes aos nossos, objetivos estratégicos semelhantes aos nossos, pretextos geopolíticos semelhantes aos nossos.

As histórias de Invasão da Terra, por melhores que sejam (e muitas são excelentes) sofrem dessa antropomorfização, em que os alienígenas são basicamente semelhantes a nós (só que monstruosos), e querem invadir nosso planeta porque precisam de minérios, ou de oxigênio, ou de espaço para habitar, ou simplesmente porque são tão colonizadores e ambiciosos quanto nós.

Cientificamente, é mais provável que se um dia esbarramos com extraterrestres esse contato não será uma mera guerrazinha entre dois exércitos, sendo um de fuzileiros navais e outro de insetos desagradáveis. Não será algo tipo Independence Day ou Tropas Estelares.

Será um encontro talvez trágico e destrutivo, mas acima de tudo um encontro cheio de perplexidade, de circunstâncias indecifráveis, de fatos que ao nosso juízo e à nossa cultura parecerão insensatos, aleatórios; uma série de fenômenos que não conseguiremos interpretar como uma linha coerente de ambições políticas e táticas militares.

Qualquer encontro com outra espécie inteligente interplanetária será por definição um Labirinto Aleatório e talvez mortal.