segunda-feira, 26 de outubro de 2015

3955) Borges nos EUA (27.10.2015)




Muita gente não sabe, mas a primeira publicação de Jorge Luis Borges nos Estados Unidos não foi numa revista acadêmica, e sim no popularíssimo (ainda que sofisticado, no gênero) Mistério Magazine de Ellery Queen, revista conhecida pelo público de literatura policial no Brasil. Não achei nenhuma publicação dele anterior a esta, e olha que procuro há tempos.

O texto foi “The Garden of Forking Paths” (nosso “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam”), um dos melhores contos borgianos. Um conto que poderia figurar numa revista de FC (pela sua vertiginosa teoria dos universos paralelos) mas que também cabe numa revista policial, por descrever um crime cujo propósito o leitor só descobre no último parágrafo. Essa publicação deve ter alegrado o 49o. aniversário do argentino, pois ocorreu no mês de agosto de 1948, quando ele completou essa idade.

Tudo se deveu a Anthony Boucher, grande amigo de Ellery Queen. Boucher não apenas traduziu o conto para o inglês mas também (diz a introdução) “persuadiu o autor a submetê-lo ao Terceiro Concurso Anual” da revista. O conto de Borges apareceu num “Número com Todas as Nações”, ao lado de autores como Chekhov, Simenon, Ferenc Molnar, Karel Capek, Gabrielle d’Annunzio, Cornell Woolrich e outros.


Na introdução, Queen chama o conto de “uma obra-prima em miniatura”, e diz: “Señor [sic] Borges é uma importante figura literária argentina: poeta, crítico, ensaísta e antologista. Em toda sua obra, especialmente em sua ficção, o autor usa o tema do labirinto – é uma monomania persistente, que recorre em sutis variações.”

E adiante comenta: “Outra mania sua: ele tem um apego fora do comum pela erudição fictícia. Por exemplo: é capaz de inventar um autor ou uma escola literária completamente fictícia e em seguida escrever uma dissertação deliciosamente erudita sobre a esotérica importância dessa figura ou esse movimento imaginário; mas a fantasia e a sátira que ele sabe urdir às suas opiniões críticas não são sempre destituídas de significado factual.”

Ele cita, claro, a referência direta feita por Borges (sem citar o autor) ao Mistério dos Irmãos Siameses do próprio Queen (no conto “Exame da Obra de Herbert Quain”, nome que já lembra o de Ellery Queen). Borges admitia, em seus artigos de jornal, ser um leitor fiel do autor norte-americano. E este não foi o único conto dele a sair no EQMM. Também tenho aqui a edição brasileira de dezembro de 1962, com “Os dois reis e os dois labirintos”, certamente embarcando na súbita fama do argentino depois de receber em 1961 o Prêmio Internacional Formentor, quando deslanchou de fato a sua celebridade literária mundial.