sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

4031) O poder do real (22.1.2016)



Conta-se que mais de meio século atrás, houve em Campina Grande uma demonstração do Simca Tufão, o famoso carro capaz de andar equilibrado em duas rodas. 

Foi na Praça da Bandeira. O carro veio andando, e a certa altura tinha uma plataforma que se elevava em diagonal, os pneus do lado direito do carro subiram por ela, o carro se ergueu, a plataforma acabou, o carro prosseguiu dando voltas, triunfante, bem controlado, aí quando passou bem na frente de um véi, o véi falou: “Eita mentira da porra!”.

Estava acontecendo ali, diante dos seus olhos (que praza à terra não ter precisado deles por muitos anos) e mesmo assim ele achou que podia haver algo errado, alguma interferência, algum ruído informacional, alguma invasão do subjetivo! 

Mas, como assim – em plena rua, à luz do sol? “Sei lá,” responderia o velho, “a gente vê cada coisa nos palcos, nem digo nos cinemas, que ali é mentira mesmo, mas nos teatros, truques de vaudeville, portas falsas, jogos de iluminação, espelhos...”

Hoje, século 21, estamos aprendendo a duvidar da autenticidade das imagens virtuais que olhamos, em nossas telinhas e telonas, porque tudo pode ser imitado, tudo pode ser fabricado. Mas já naquele tempo o Véi da Praça duvidava da realidade consensual, duvidava da carne-e-osso, do feijão-com-arroz. Ele suspeitava de um hiato ontológico.

A Crise de Representação do Real não é o fato das fotos parecerem tão reais quanto os objetos, é que os objetos já parecem tão irreais quanto as fotos. 

Como transmitir um senso de realidade às coisas – na literatura, por exemplo? Talvez  ampliando nossa visão, deixando de ver só o que está na “foto” e vendo também o quadrado da foto, a mão que a segura ou a página que a exibe, e esse entorno seja a pedra de toque de sua realidade ou não. Fico com este parágrafo de Don DeLillo (The Names, 1982), em que um personagem recorda a curiosidade detalhista de seu pai a respeito dele quando era menino e morava à distância:

“Ele e o seu catecismo do mínimo, do acidental. Agora sei o que ele queria. Queria um retrato detalhado onde colocar minha minúscula, solitária figura. A única segurança está nos detalhes. Aqui temos uma ou duas certezas, os pequenos fatos do tempo e do clima que conectam pessoas à distância. Ele me perguntava como era a iluminação na minha sala de aula, quanto tempo tínhamos de recreio, quais os alunos a quem cabia fechar as portas deslizando os painéis corrediços. Eram perguntas formais, que ele me despejava em blocos compactos. Eu tinha que lhe fornecer nomes, números, cores, tudo que eu fosse capaz de registrar sobre as coisas em si. Isso o ajudava a me ver de uma maneira mais real”.