A Editora José Olympio está para lançar uma nova edição do Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna, que estava esgotado e fora de catálogo desde 1976. Muito oportuno, até porque o autor tem muito mais visibilidade hoje na imprensa do que tinha na época do primeiro lançamento. Ariano é um sujeito polêmico, que diz o que pensa, e só pensa o que quer. No tempo da ditadura militar, muita gente via nele um sujeito excêntrico, que queria restaurar a monarquia no Brasil – ou seja, não o distinguiam muito bem de organizações de Direita como a paulista TFP (“Tradição, Família e Propriedade”). Ariano deu mais de mil entrevistas esclarecendo que sua admiração pela monarquia era de ordem puramente literária e simbólica, mas não adiantou muito. Foi rotulado como monarquista, e como monarquista ficou.
Ainda bem que o livro sai agora, e algumas pessoas que falam mal de Ariano terão a chance de conhecer sua obra. O Romance da Pedra do Reino é (à maneira de Cervantes) uma homenagem e uma sátira. Cervantes usou o Dom Quixote para satirizar os romances de cavalaria e seus leitores, mas por baixo de seu texto existe uma corrente de ternura e de admiração pelo universo anacrônico em que habita a mente do fidalgo. Cervantes admira os cavaleiros, admira a literatura de cavalaria, mas ao mesmo tempo sente que aquele tempo passou e que aquela literatura é insuficiente e insatisfatória para os novos tempos: ninguém é mais tão ingênuo assim.
No Romance da Pedra do Reino, Ariano trata de modo parecido a monarquia. É uma instituição gloriosa e anacrônica, conforme a vemos através dos olhos de Dom Pedro Dinis Quaderna, que, um pouco à maneira do Tartarin de Tarascon, de Daudet, é ao mesmo tempo um quixote e um sancho-pança. É um pretenso fidalgo deslumbrado pela grandeza cavalariana e pelas regalias sociais dos aristocratas, e um pícaro, um espertalhão cheio de truques e negociatas, disposto a qualquer manobra para satisfazer sua ingênua sede de fama literária e prestígio social. Diz Quaderna, no Folheto 53:
“Pode dizer, Excelência! Eu absolutamente não me incomodo mais de ser filho-da-puta! Ou melhor, de ser neto-da-puta, porque minha Mãe, coitada, é que era filha-da-puta, filha bastarda do Barão do Cariri e portanto irmã por vias travessas de Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto. Antes, eu ficava danado da vida quando alguém falava nessa filho-da-putice nossa. Mas lá um dia, numa discussão, Samuel declarou que isso de bastardia não tem a menor importância nessas coisas de fidalguia e linhagens reais, tanto assim que os Braganças, descendentes de Dom João I e Nuno Álvares Pereira, são várias vezes bastardos e netos de padre! Depois daí, fiquei descansado e perdi a vergonha!”
A nobreza real sonhada por Quaderna é forjada de vilipêndios, traições e adultérios; de delírios de grandeza e carnificinas entre mafiosos. É a tragédia shakespeariana de sempre, com gibão de couro e peixeira na cinta.
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