quarta-feira, 27 de abril de 2011

2541) “Grande Sertão: The Game” (27.4.2011)



(xilogravura: Arlindo Daibert)
 

Recebi há cinco dias a versão beta de Grande Sertão: The Game, o novo lançamento da Tutamídia para este ano de 2034. 

É um videogame clássico, no sentido de ser um universo imersivo, riquíssimo em ambientes e em personagens, no qual o jogador pode viver diferentes aventuras e experimentar uma grande variedade de situações. 

O game segue escrupulosamente a geografia do livro de Guimarães Rosa. Todos os combates e perseguições dos soldados contra os jagunços, p. ex., se dão, também, do lado direito do Rio São Francisco. Há uma cronologia fixa entre os combates, que só podem ser travados na mesma ordem em que acontecem no livro, até o combate final, no Paredão. (Há também um inesperado combate “bônus” para os que zerarem o jogo, mas não quero estragar essa surpresa.) 

Geografia, aliás, é um dos fortes do game, que, numa decisão polêmica, tem sido pré-adotado em escolas públicas. Rios, veredas, morros, povoados, tudo que é citado no livro é reconstituído com precisão antropológica e pode ser comparado com a atualização em tempo real pelo GoogleEarth. 

O mesmo cuidado vai para a parte ficcional: cada jagunço citado nominalmente no livro tem direito a avatar, biografia, subtexto e potencial interativo. (Testes preliminares mostram que apenas 63,7% dos usuários escolhem Riobaldo como avatar.) 

Uma decisão polêmica dos designers foi permitir a opção de considerar Diadorim homem ou mulher desde o início, mas, conforme eles declararam, “o leitor que quiser ser fiel ao livro tem essa opção”. 

A sequência do pacto com o Diabo nas “Veredas Mortas” é um “tour de force” de gótico sertanejo. O complexo jogo sociológico envolvido no julgamento de Zé Bebelo pelos jagunços talvez só seja bem saboreado pelo leitor mais culto, mas o adepto dos jogos de ação propriamente ditos já tem a seu dispor um variado cardápio de combates de faca, de revólver ou de rifle. 

Outro ponto de destaque é a travessia do Liso do Sussuarão, em que as complicadas técnicas de sobrevivência no deserto evocam desde Duna até Lawrence da Arábia. Pequenas histórias encapsuladas no romance recebem um tratamento que as transforma em verdadeiros filmes de curta-metragem embutidos na narrativa principal, como é o caso da história de Maria Mutema e a do pacto entre Davidão e Faustino. 

Os usuários mais idosos encontrarão ecos do exército dos “orcs” de Tolkien na concepção visual do bando dos Hermógenes, e os de cultura musical se impressionarão com a quantidade (e autenticidade) das toadas cantadas pelos jagunços. (Em algumas cenas é possível sugerir temas e motes para serem improvisados pelos jagunços-violeiros (Delfim, Siruiz). 

Em suma: um jogo de imersão para quem quiser mergulhar na História e Geografia mineira, e um jogo de guerra e cavalgadas equivalente a qualquer Peckinpah ou Kurosawa disponível no mercado. Extremo bom-gosto visual, trilha sonora perfeita baseada no folclore mineiro, muita ação e aventura. 

Cotação: cinco estrelas.