sábado, 29 de agosto de 2015

3906) Em 100 caracteres (30.8.2015)




Multiplicam-se por aí os saites e concursos de minicontos, microcontos, nanocontos ou que nome lhes queiram dar. As fórmulas sugeridas são muitas: contos com 6 palavras, com 50 palavras, com 100 palavras, com 100 caracteres, com duas frases... Para quem está treinando pra escritor, uma das primeiras oficinas deve ser a da contenção. Dizer muito em pouco espaço. Em certos cursos de roteiro, exige-se do roteirista que conte a história do seu filme em uma linha, em dez linhas, em uma página e em dez páginas. Se o sujeito é capaz de fazer isso satisfatoriamente, está bem encaminhado.

Contos de “até 100 caracteres” foram requisitados pelo jornal Opção (aqui a reprodução de todos os contos inscritos: http://tinyurl.com/pok2nyz) em maio passado. A maior parte dos concorrentes mandou uma frase, uma reflexão, um diálogo... Pra mim falta a muitos deles (por mais interessantes que sejam como frases) o que caracteriza o conto: uma noção precisa de espaço, de ação, de sequência (começo + meio + fim, ou qualquer equivalente a isto).

Veja-se o texto de Alessandro Garcia (RS): “No começo, descrença. Depois, medo, ao ver Bob – tão pequeno – olhando para a faca daquele jeito”. Temos aí não uma ação, mas uma revelação gradual de uma situação potencialmente trágica. Para mim equivale a um conto. O mesmo eu não diria deste de Geraldo Lima (DF): “O amor daquele homem era doença. Por anos pediu socorro, mas ninguém a ouviu.” Há o registro de uma situação, mas, ao contrário da outra, não há a sugestão clara de um plot, um enredo possível.

Pode-se neste curto espaço criar uma faísca de história com terror e humor ao mesmo tempo, como Wilson Gorj (SP): “Morrer? Nem pensar! Deu três pancadinhas na madeira… do caixão já coberto de terra.”  Ou brincar com a metalinguagem, como Débora Ferraz (PE): “Todos os personagens desta história morrem antes de chegar à próxima linha.”, se bem que neste caso não chega a ser um conto, pelo meu presente critério. Lucas Rossi (SP) faz um bom flagrante do cotidiano: “Da janela, gritou pro vizinho: ‘sou puta mesmo’. Depois, fechou a persiana e foi lavar a louça”. O flash é ótimo; mas não existe um conto aí.

Há dramaticidade em Brunno Falcão (GO): “Temia a altura quando pulou para a morte de um prédio em chamas, em 1974. Até hoje escutam seu grito”,. E em Carlos Rabelo (GO): “Zacarias viu a vizinha arrodeada de borboletas. Suspirou e apertou o laço. Viu lá longe o mar. Fim.” Para mim, é possível, em até 100 caracteres, passar uma impressão forte de lugar, de pessoas, de ação, de algo que se desenrola e se modifica no tempo. Entre a primeira e a última palavra, algo forte deve acontecer.