quinta-feira, 10 de julho de 2014

3547) Ser goleiro (10.7.2014)




(Harry Gregg, do Manchester United)


Digam o que disserem (“No lugar onde ele pisa não nasce mais a grama”), o goleiro é o jogador mais visível de um time de futebol, o mais personalizado.  Talvez só o centroavante o supere em “pathos” e como possível fonte de inspiração literária. Um artigo de Benjamin Healy (http://tinyurl.com/kt6w2or) dá um balanço na complexa mitologia dessa posição, citando alguns dos seus praticantes mais famosos (Albert Camus, Vladimir Nabokov) e uma dúzia de livros escritos por ou sobre goleiros. Uma massa de informações que daria um ótimo tema para uma tese de mestrado.

Healy faz um passeio por alguns grandes nomes da História e também comenta o drama de alguns já esquecidos. (O nosso Barbosa, da seleção de 1950, ganha um retrato compassivo e honesto.) Outro brasileiro citado é Sérgio Sant’Anna com seu conto barbosiano “No último minuto”, em que um goleiro fica zapeando de canal em canal, revendo o gol que sofreu, na esperança de que em algum daqueles universos paralelos a bola não tenha entrado.

O autor lembra O medo do goleiro antes do pênalti, livro de Peter Handke filmado por Wim Wenders em 1972, e cita The Outsider de Jonathan Wilson, uma história abrangente dessa posição: “O livro de Wilson está cheio de histórias de goleiros que beberam até morrer (Arthur Wharton), morreram em acidente de avião (Frank Swift), foram feridos com uma garrafa quebrada (Robert Mensah), ficaram paralíticos sem razão aparente (Toni Turek) ou levaram um chute na cabeça e foram enterrados na vala comum (Jaguaré)”.  Ele lembra que Gordon Banks perdeu a visão de um olho e que Bert Trautmann jogou os últimos 16 minutos de uma decisão com o pescoço quebrado.

Alguns goleiros parecem personagens de ficção, como David Icke, que jogou no Coventry e depois tornou-se um personagem conhecido na mídia inglesa, defendendo teorias da conspiração e sugerindo que a família Bush e a família real inglesa são compostas de alienígenas reptilianos. Lembra também os goleiros mais espalhafatosos da História: o paraguaio José Luis Chilavert, o mexicano Jorge Campos, o colombiano René Higuita. Há histórias trágicas, como a de John Thomson que morreu com o crânio fraturado, ou o alemão Robert Enke (ex-Borussia, Benfica, Barcelona) que depois de uma série de derrotas e de depressões acabou se suicidando.

O goleiro talvez seja em todo o time o personagem mais sujeito à tragédia grega, mas sei lá, talvez até isso seja melhor do que o anonimato de ser volante ou cabeça-de-área. Num esporte como o futebol, onde há espaço tanto para o brilho coletivo quanto para o individual, ele parece flutuar numa dimensão diferente dos demais, como o cavalo no xadrez.