terça-feira, 25 de junho de 2013

3221) Marcelo Grassmann (25.6.2013)




Ele talvez tenha sido o primeiro artista fantástico brasileiro da minha vida. Em revistas, catálogos e suplementos literários as suas gravuras sombrias e detalhistas chamavam a atenção pelo traço característico e pela temática surpreendente. A arte brasileira tem dois troncos principais, o experimentalismo formal e o realismo social. Grassmann viajava num mundo gótico só dele, um mundo com cavaleiros de alabardas e elmos ameaçadores, de dragões e ogros, de abantesmas sem nome.  Suas gravuras estavam repletas de avejões noturnos com bicos sequiosos, larvas, florestas impenetráveis, castelos e torreões. Lembro de ter visto aqui e ali comentários desdenhosos que elogiavam sua técnica mas o consideravam “pouco brasileiro”. Sua arte, no entanto, era tectônica: ia nas placas profundas onde repousam tanto o Brasil quanto a finada Atlântida e o fictício Zothique.

Faleceu no dia 21 de junho passado, aos 87 anos. Foi um grande desenhista, e a parte mais significativa de sua obra está em gravuras em pedra e metal. Deixo ao Google a informação sobre seus numerosos prêmios e distinções. O que nos atrai em sua obra é esse clima expressionista e simbólico, cheio de Templários, fantasmas, ogivas, mastins. Diz ele: 

“Embora formalmente a Renascença tenha me dado muito mais que a Idade Média, a Idade Média era mais carregada de coisas interiores, a meu ver, do que a Renascença, que já começava com uma preocupação formalista, de estilo, maneira, de como encarar as coisas, mais do que quais as coisas a serem encaradas. Os flamengos adoravam fazer o inferno, porque no inferno havia a proposta de milhões de fantasias. Bosch, por exemplo, parte para toda aquela loucura de figuras dentro de armaduras, meio peixe, meio gente, meio cômico e, no fundo, eu sofri influências importantíssimas dele. O mundo de Bosch é cheio de diabolismos, de fantasias, de coisas que não são de todo mundo. Já a China me deu duas coisas: um dragão e alguns diabinhos. Os etruscos me deram pouca coisa, os egípcios me deram muito mais, com suas zoomorfias religiosas”.

É curioso que numa época como a atual, em que a Fantasia Heróica vem conquistando tantos leitores no país (através de séries como “O Senhor dos Anéis”, “Game of Thrones” e outras) a obra de Grassmann estivesse meio esquecida. Porque ele descobriu esse universo meio século atrás, e o cultivou com sensibilidade estética e uma certa sensualidade, que corria paralela com os monstros, com o lado tenebroso.  Foi o nosso grande fantasista, criando uma obra pessoal, sombria, mas cheia de inventividade, retornando, numa espiral insistente, aos temas, paisagens e seres que mais o atraíam.