(Má Educação)
A obra de Federico Fellini, como a de Pedro Almodóvar, está cheia de prostitutas barrocas, homossexuais patéticos, padres enrustidamente libidinosos. Personagens que de início são vistos com zombaria infantil e depois com um espécie de cumplicidade madura. Parece que o autor, ao ficar mais velho, entende melhor as motivações daqueles personagens, cujo ridículo e tragédia vai se diluindo. Fellini foi substituindo a perplexidade excitada de um garoto, presente em Oito e Meio, A Doce Vida, Satyricon, pelo carinho paternal com que tais personagens grotescos são vistos entre Amarcord e E la Nave Va.
O espanhol Pedro Almodóvar tem uma predileção semelhante por este elenco de figuras excêntricas, e quando falamos de repressão católica, sexualidade latina e imaginação delirante, faz muita diferença ser espanhol ou italiano? Muito pouca. Em Almodóvar, no entanto, essas personagens mostram um lado mais dark, mais cruel. São capazes de praticar ações ou de arquitetar planos que nos fazem recuar com um calafrio. Soltar os travestis e os gays de Almodóvar num filme de Fellini seria o mesmo que soltar um tigre faminto num orfanato.
Vendo o recente Má educação, a idéia que me vem é que Almodóvar, mesmo com sua fascinação pelo bizarro e pelo grotesco, é menos um herdeiro de Fellini do que da secura emocional de Pasolini, de sua visão do sexo como um jogo de poder e fantasia onde o mais forte sempre desfruta o mais fraco e depois o descarta. E é mérito da riqueza psicológica da obra de ambos o fato de que muitas vezes são os personagens “do Bem” que fazem isto aos personagens “do Mal”.
Faço esta comparação porque a maioria da crítica cinematográfica insiste em tentar aproximar Almodóvar de Buñuel e de Carlos Saura, pelo fato de serem todos espanhóis, quando me parece mais relevante a afinidade de espíritos do que a coincidência de passaportes. Se existe algo de buñuelesco em Almodóvar isto se deve à semelhança que apontei no parágrafo anterior entre a trajetória repressiva e ambígua da Igreja Católica tanto na Espanha quanto na Itália (para não falar em outros países). Ao que parece, nenhum desses garotos que estudou em colégio de padres escapou incólume, quando mais não seja em seu imaginário. Mas o perfil emocional de Almodóvar, que tende sempre para a auto-confissão, o desnudamento, o exibicionismo, não se parece nem um pouco com o de Buñuel, um homem fechado em copas, rigidamente moralista.
Os filmes de Buñuel são lutas íntimas, sempre empatadas, entre um anarquista e um conservador. Os de Almodóvar são a celebração pública do triunfo de um sujeito reprimido que “soltou a franga” e não conhece mais limites. Má educação é um bom filme, mas em muitos momentos está mais próximo da superficialidade do “teatro de simulacros” de Brian de Palma. Talvez as melhores obras do cineasta, as de mais riqueza estilística e temática, continuem sendo Tudo sobre minha mãe e Carne trêmula.
O espanhol Pedro Almodóvar tem uma predileção semelhante por este elenco de figuras excêntricas, e quando falamos de repressão católica, sexualidade latina e imaginação delirante, faz muita diferença ser espanhol ou italiano? Muito pouca. Em Almodóvar, no entanto, essas personagens mostram um lado mais dark, mais cruel. São capazes de praticar ações ou de arquitetar planos que nos fazem recuar com um calafrio. Soltar os travestis e os gays de Almodóvar num filme de Fellini seria o mesmo que soltar um tigre faminto num orfanato.
Vendo o recente Má educação, a idéia que me vem é que Almodóvar, mesmo com sua fascinação pelo bizarro e pelo grotesco, é menos um herdeiro de Fellini do que da secura emocional de Pasolini, de sua visão do sexo como um jogo de poder e fantasia onde o mais forte sempre desfruta o mais fraco e depois o descarta. E é mérito da riqueza psicológica da obra de ambos o fato de que muitas vezes são os personagens “do Bem” que fazem isto aos personagens “do Mal”.
Faço esta comparação porque a maioria da crítica cinematográfica insiste em tentar aproximar Almodóvar de Buñuel e de Carlos Saura, pelo fato de serem todos espanhóis, quando me parece mais relevante a afinidade de espíritos do que a coincidência de passaportes. Se existe algo de buñuelesco em Almodóvar isto se deve à semelhança que apontei no parágrafo anterior entre a trajetória repressiva e ambígua da Igreja Católica tanto na Espanha quanto na Itália (para não falar em outros países). Ao que parece, nenhum desses garotos que estudou em colégio de padres escapou incólume, quando mais não seja em seu imaginário. Mas o perfil emocional de Almodóvar, que tende sempre para a auto-confissão, o desnudamento, o exibicionismo, não se parece nem um pouco com o de Buñuel, um homem fechado em copas, rigidamente moralista.
Os filmes de Buñuel são lutas íntimas, sempre empatadas, entre um anarquista e um conservador. Os de Almodóvar são a celebração pública do triunfo de um sujeito reprimido que “soltou a franga” e não conhece mais limites. Má educação é um bom filme, mas em muitos momentos está mais próximo da superficialidade do “teatro de simulacros” de Brian de Palma. Talvez as melhores obras do cineasta, as de mais riqueza estilística e temática, continuem sendo Tudo sobre minha mãe e Carne trêmula.
Um comentário:
Gosto bem mais dos filmes "femininos" de Almodóvar, como "Fale com Ela", "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Volver". Esse "A Má Educação" me pareceu meio forçado, pretensioso, sem alma, apesar de nem de longe ser ruim. E tem Gael Garcia Bernal a cara de Julia Roberts, como travesti, lindo. Um dos problemas (mas para mim apenas, talvez): nunca mais consegui ouvir "Moon River" com o mesmo prazer, depois desse filme, o que só havia acontecido antes após me apavorar com "Singing in the Rain" em "Laranja Mecânica".
Postar um comentário