terça-feira, 16 de setembro de 2008

0550) Outro doido na porta (23.12.2004)





(pt.inmagine.com)

O escritor Tim Powers conta de um tio seu que trabalhava numa repartição pública onde de vez em quando, por algum motivo, aparecia gente doida atrás de emprego. 

Uma vez um desses malucos baixou por lá e começou uma conversa que não acabava mais. Lá pelas tantas, começou a se queixar de que estava sofrendo interferências telepáticas de gente desconhecida. “Ficam invadindo minha mente, mandando energia negativa,” queixou-se ele. 

O tio de Powers teve uma idéia brilhante. Pegou uma correntinha de clips que alguém estivera fazendo, pendurou mais uma dúzia de clips na ponta e estendeu para o cara. 

“Ponha isso em volta do tornozelo,” explicou, “prenda, dando um nó, e aí deixe a ponta mais comprida arrastar pelo chão.” 

O doido pegou a correntinha, ainda meio na dúvida: “Mas para que?” 

Ele respondeu: “Ora, já ouviu falar em fio-terra? Com isso, as emissões telepáticas vão passar direto para o chão, sem lhe afetar.” 

O doido só faltou beijar-lhe as mãos, amarrou a correntinha no tornozelo e foi-se embora feliz da vida.

O remédio pra um doido é outro na porta, diz a sabedoria popular. Isto é apenas o reconhecimento de que para dialogar com uma pessoa é preciso entender o pensamento dela, ou, como dizem os filósofos de verdade, “trabalhar com as mesmas categorias conceituais”. 

Cada doido funciona de um modo diferente. Um amigo meu, quando era estudante de Medicina, estava dando plantão num hospital psiquiátrico, e de madrugada um paciente que sofria de “delirium tremens” começou a gritar. Ele foi ver o que era, e o cara estava encolhido no canto do quarto, dando tapas nos próprios braços: “As aranhas, doutor... Eu estou coberto de aranhas!” Ele explicou: “Calma, Fulano, vou lhe dar um remédio, mas não tenha medo. Elas não existem.” O paciente retrucou: “Eu sei que não existem, doutor, mas são muitas!”

Há numerosos episódios na história da Psicologia e da Psicanálise de médicos que, para melhor adquirir a confiança e a empatia de seus pacientes, procuram identificar-se com seus delírios e, a partir de certa altura, começam a ter dificuldade para tocar no chão com os próprios pés. 

Existe uma lógica perversa e sedutora no modo como a mente dos loucos encaixa idéias umas nas outras, principalmente nas articulações lógicas dos delírios paranóicos. Um paranóico é um cara que apela para o que temos de mais perigoso em nossa mente, que é o sentido de causa e efeito, de concatenação lógica. 

Tudo que um paranóico diz faz sentido, porque todas as suas deduções ou induções são rigorosamente lógicas. A única maneira de invalidá-las é descobrir, no emaranhado de premissas com que ele nos desorienta, quais são as que não correspondem à realidade.

Raciocinar junto com um louco é como mergulhar no mar revolto para salvar uma pessoa que está se afogando. No momento em que os dois se abraçam e se debatem juntos, alguém vai levar alguém em alguma direção, e é um sujeito muito corajoso o que paga pra ver.







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