quinta-feira, 28 de outubro de 2010

2385) Casal de artistas (28.10.2010)



(Sylvia Plath e Ted Hughes)

Uma vez alguém me falou, com toda seriedade: “Casal de artistas nunca dá certo. Todo artista tem personalidade instável. Para criar em paz, ele precisa da companhia de uma pessoa prática, com os pés no chão, que lhe dê segurança enquanto ele levanta voo, vai em busca das suas fantasias”. Como toda generalização, esta é uma ideia plausível, chega a parecer uma verdade evidente por si própria. Todos conhecemos exemplos que a comprovam. Por outro lado... Conheço inúmeros exemplos de casais de artistas (maluquíssimos, ambos) que vêm dando certo há muitos anos. E fico um pouco desconfiado com esse papo de que ser artista é alguém que precisa “ir em busca de fantasias”.

Lembrei dessa discussão por causa da recente descoberta de um poema de Ted Hughes, que chegou a ser Poeta Laureado do Reino Unido, uma coisa que os ingleses inventaram e que é a maior honraria literária entre eles. Hughes foi casado por anos com a poetisa norte-americana Sylvia Plath. É um dos romances-entre-famosos mais discutidos no mundo literário; infelizmente nunca li uma das muitas biografias de ambos e não sei os detalhes. Só sei que a certa altura, Sylvia, que era meio depressiva, não obstante ser ótima poetisa (ou “poeta” – tem um desses rótulos que as mulheres detestam, mas nunca decoro qual), enfim, Sylvia acabou se suicidando. E durante muito tempo Hughes foi acusado de ser o responsável pela morte dela. Não que ele lhe desejasse a morte, claro, mas (aí é que entra o tema deste artigo) diziam que teria sido melhor para ela ter casado com um sujeito mais sensaborão, mais careta, mas que lhe desse uma segurança emocional que ele, poeta também, sensível e instável também, parecia incapaz de lhe fornecer.

Essas discussões voltaram à tona agora, devido ao poema escrito por Hughes logo após receber a notícia do suicídio de Sylvia. Volta-se a repetir o chavão de que dois artistas juntos não podem dar certo. E no entanto conhecemos inúmeros casais de cineastas, atores, músicos, etc., que vivem bastante bem. Essas lendas têm origem naquela faixa do público para quem a Arte é uma atividade meio interplanetária, meio distante do mundo em que vivem. Pensam que um artista é alguém diferente dos simples mortais. Não é (mesmo que alguns artistas, por ingenuidade ou deslumbramento, tentem se comportar como se fossem). Os artistas têm os mesmos sentimentos, as mesmas inseguranças, os mesmos problemas de todo mundo – ressalvado o fato de que cada artista é diferente dos outros, como cada não-artista também o é. A única diferença do artista é ser capaz de produzir arte, assim como a do futebolista é saber jogar futebol. Fico pasmo quando um artista se suicida e alguém diz: “mas também, era um poeta, portanto tinha sensibilidade...”, como se um médico, uma advogada, um motorista, uma enfermeira, um administrador, uma engenheira, um radialista ou uma professora não pudessem também ter sensibilidade – na vida real.