domingo, 23 de março de 2014

3454) Distrito Vermelho (23.3.2014)



Dioclécio (nome de fantasia para efeito do presente texto) me confidenciou isto durante um litro de Ballantine’s e um pato-ao-maracujá, no terraço do “Silverado”, uma palhoça à beira-mar onde um publicitário bem sucedido pode beber a sós com um escritor desempregado. O comercial deles concorria a um prêmio, na Europa. A agência bancou a ida dele e da esposa ao festival. Dois dias antes, a caçula dele teve uma pneumonia. A esposa, heroicamente, ofereceu-se para ficar, e ele iria buscar o prêmio dele.  Lá vai Dioclécio, sozinho, fora do Brasil pela primeira vez, para Amsterdam.

“Bebi menos e extrapolei menos do que planejei no voo de ida,” explicou ele. Para a maioria dos homens casados, a mera sensação de não estar sendo vigiado produz uma resposta eufórica de tal magnitude que se basta a si mesma.  As esposas deveriam relaxar e ver a novela. O máximo que 53,7% deles ousarão é ficar bêbados a sós num quarto de hotel.

Na primeira brecha lá vai Dioclécio para o Red Light District. “Fui ver as atrações típicas,” defendeu-se ele, “vi até o Museu Van Gogh!...”  Era uma madrugada de inverno dezembral, mortífero, matador. “Foi engraçado,” disse ele, “vi que ela era brasileira porque dançava legal, e tinha uma camisa da Seleção Brasileira na vitrine. Achei que lá dentro podia evitar o frio, que era de deixar o rosto da gente dormente, paralisado, meu Deus, que coisa.”

Um minuto depois Dioclécio estava dentro da cabine e tentava explicar à mulher que na verdade não pretendia manter relações com ela, ooops, mas sendo assim, ok, calma, tudo bem, claro, na boa, mas agora, agora que podemos respirar, será que ela sabe o quanto está sendo explorada? E ela lhe diz: “Conterrâneo, bem se vê que você nunca teve que dar pra não passar fome. Isso aqui é bom demais. Garantia estatal, fiscalização sanitária, pagamento garantido, e, vou te contar, aqui aparecem mais nerds deslumbrados do que serial-killers com problemas. Nunca trabalhei tanto, daqui a pouco vou ter que botar meia-sola, porque a demanda é impressionante. Volte pro Brasil e dê lembrança à ordem e ao progresso.”

Vejam como é bom frequentar o Primeiro Mundo! Dioclécio pegou o prêmio e voltou para casa, um novo homem, para viver uma nova vida. “É engraçado,” disse-me ele, “resolvi largar meu emprego justamente na hora em que aquela garota me deu de bandeja a melhor das desculpas para ele...”  Comprou um lugar na Serra, perto de uma cachoeira, começou a fabricar pão, a dar aulas de violão, e a família me parece muito feliz desde então; inclusive nunca mais a menina teve pneumonia.  Então de alguma maneira deve ter sido uma mudança positiva.