domingo, 29 de agosto de 2010

2333) A estética do Ah Se Eu Soubesse (29.8.2010)



Entre as frases clássicas do folhetim, do melodrama e da telenovela, um lugar de honra deve ser reservado para esta. 

Tornou-se tão famosa (e tão próxima da nossa vida real!) que os atores e atrizes mais calejados a dispensam. Diante da evidência estarrecedora da catástrofe, ou da revelação brutal de uma tragédia irreversível, de tudo aquilo que por um fio de cabelo não foram capazes de evitar, um ator como Anthony Hopkins ou uma atriz como Fernanda Montenegro deixam implícita a frase famosa. Afastam os olhos, olham para longe através da janela e suspiram. Está dito tudo. 

O “Ah, se eu soubesse!” é a lamentação póstuma de quem em certo momento teve o poder de guiar os acontecimentos numa direção melhor mas não o fez, ou por desconhecimento mesmo, ou por erro de avaliação, ou por ter dado prioridade a outras linhas de ação. 

Depois que a tragédia se desencadeia, não há mais como voltar atrás. Pode-se simplesmente imaginar como teriam sido as coisas, “se eu soubesse que ia resultar naquilo”. 

O romance policial de influência gótica celebrizou o clichê da heroína que assume riscos desnecessários, riscos que nenhuma pessoa sensata assumiria. O cinema reciclou um milhão de vezes essa personagem. É a fórmula que, segundo o crítico Bill Pronzini, foi batizada pela editora Lee Wright como “A Heroína Idiota no Sótão”. É aquela personagem que, ameaçada por um maníaco homicida, tranca-se em casa à noite, mas, ao ouvir um barulho suspeito no sótão, acende uma vela e sobe até lá para ver do que se trata. Por que? Porque se não o fizer não tem história, e fazendo assim angaria a identificação das pessoas (sempre são muitas) que fariam a mesma besteira. 

Ogden Nash é talvez o mais divertido poeta satírico norte-americano, especialista em poemas rimados AABBCCDD..., com linhas longuíssimas em verso livre que bem ou mal acabam desembocando na rima proposta. 

Ele publicou em 1940 um poema intitulado Don’t Guess, Let me Tell You (“Não adivinhe, deixe que eu lhe diga”) em que batizou esse subgênero policial como “The H.I.B.K. School”, a escola do “Had I But Known”, onde ele diz: 

Às vezes é Ah, Se Eu Soubesse que terrível segredo estava oculto por trás daquela fachada sorridente, eu jamais teria cruzado aquele portão; 
outras vezes é Ah, Se Eu Soubesse então o que eu sei agora, eu poderia ter salvo pelo menos três vidas contando ao Inspetor a conversa que ouvi através daquele buraco feito casualmente no chão. 

Como se vê, é um ingrediente para ser usado com moderação, como aquelas especiarias que em pequena quantidade acrescem sabor, mas quando postas com mão pesada dão a quem experimenta o prato a desconfiança de que aquilo está ali para disfarçar alguma coisa estragada. 

Porque um personagem que exclama “Ah, se eu soubesse!...” geralmente sabia o que lamenta ignorar. E talvez soubesse também que revelando aquilo iria encurtar o romance em 200 páginas e a telenovela em 80 capítulos.