Já falei aqui sobre os memes, os grãos de idéia ou de discurso que se instalam em nossa memória e passam a contaminar nosso pensamento, propagando-se para mentes alheias através da nossa fala, como se fossem vírus de computador (“Os memes”, 23.5.2003).
Um subgrupo perigoso dessa categoria são os erros lingüísticos, que por alguma razão misteriosa parecem proliferar com muito mais facilidade do que os acertos. E dentre eles, o uso americanizado (e errôneo) do apóstrofo é um dos mais constrangedores.
Peguem o carro e dêem uma volta. Em qualquer subúrbio de cidade brasileira existirá uma lanchonete chamada “Sanduíche´s”, ou um boteco simpático com o nome de “Mariângela Drink´s”, ou um motel chamado “Love Night´s”.
Meus amigos gramáticos explicariam isto melhor do que eu, mas posso resumir a questão dizendo que em inglês essa letra “S” precedida de um apóstrofo indica o caso genitivo ou possessivo. Assim, “Fred´s” significa “ de Fred” (incluindo as variantes possíveis: “algo que pertence a Fred”, “algo que se refere a Fred”, “algo que provém de Fred”, etc.).
Meus amigos gramáticos explicariam isto melhor do que eu, mas posso resumir a questão dizendo que em inglês essa letra “S” precedida de um apóstrofo indica o caso genitivo ou possessivo. Assim, “Fred´s” significa “ de Fred” (incluindo as variantes possíveis: “algo que pertence a Fred”, “algo que se refere a Fred”, “algo que provém de Fred”, etc.).
Também se usa para indicar a supressão de uma ou mais letras (como também ocorre no português), mas em geral é isto.
O que ocorre é que o uso do apóstrofo em português é muitíssimo mais raro do que em inglês, e chega a ser mesmo um recurso sofisticado, coisa de literatos como Castro Alves que já começava um poema botando pra quebrar: “ ´Stamos em pleno mar...”
O brasileiro médio não é exposto às sofisticações da língua portuguesa, mas é expostíssimo às banalidades da língua inglesa, e nasce daí essa propensão a usar o apóstrofo simplesmente para adornar uma palavra no plural, para torná-la americanizada e mais chique.
O brasileiro médio não é exposto às sofisticações da língua portuguesa, mas é expostíssimo às banalidades da língua inglesa, e nasce daí essa propensão a usar o apóstrofo simplesmente para adornar uma palavra no plural, para torná-la americanizada e mais chique.
No exemplo inventado acima, “Mariângela Drink´s” leva a crer que aquele bar pertence a uma pessoa chamada Mariângela Drink. Para exprimir a provável intenção da proprietária, o certo seria dizer “Mariângela´s Drinks”.
O uso errôneo do apóstrofo é engraçado, mas mesmo certo ele se torna cômico quando aparece num contexto muito incongruente: “Mandacaru´s Artesanato” é uma coisa meio grotesca, parece um silicone fora do lugar, um enxerto de algo que não combina com o que tinha antes.
O uso errôneo do apóstrofo é engraçado, mas mesmo certo ele se torna cômico quando aparece num contexto muito incongruente: “Mandacaru´s Artesanato” é uma coisa meio grotesca, parece um silicone fora do lugar, um enxerto de algo que não combina com o que tinha antes.
O apóstrofo americano é patético quando revela a nossa fascinação abobalhada por tudo que nos venha dos EUA, por tudo que pareça conferir, pelos poderes mágicos do mero uso, um pouco de civilização, sofisticação, status social.
Ele exprime também, por outro lado, a nossa adoração infantil pelas coisinhas bonitinhas cuja utilidade nos escapa, mas que nos seduzem pelo que têm de exótico e de “cheguei!”. Gostamos de apóstrofos do mesmo modo que gostamos de ípsilons e agás supérfluos, de piercings, de batoques enfiados no lábio ou na orelha, de dentes de ouro, de cílios postiços, de pega-rapaz na testa, de chaveiros com berloques, de fitas coloridas nas platinelas do pandeiro ou nas cravelhas da viola, de fazer rosca na ponta do bigode.
Um comentário:
Há ainda a questão dos "DVD's". Isso ocorre em cartazes de banca de jornal e de locadoras. Sim, de locadoras também.
Abraço!
Postar um comentário