quinta-feira, 29 de setembro de 2011

2674) Contos de Campinoigandres (29.9.2011)




“Disseram-me que na feira de Campinoigandres, uma cidade famosa por ludibriar forasteiros, havia um homem capaz de mover objetos, com as mãos, mais rapidamente do que podíamos acompanhá-los com os olhos.

"Contavam-me essa história e nunca acreditei, portanto quando me aconteceu de ir pela primeira vez à tal cidade, procurei-o.

“Encontrei-o no mercado, diante de uma pequena mesa. Colocava sobre ela três cascas de noz, emborcadas. Levantava a do meio e colocava sob ela uma pequena moeda de prata, que era o prêmio destinado ao acertador.

"Em seguida, arregaçava as mangas, tocava nas semi-esferas com as pontas dos dedos e começava a movê-las de um lado para o outro, fazendo com que se rodeassem, se alternassem, se intercalassem umas às outras, com tal velocidade que de início até eu me perdi.

"Não fui o único; todos os que, ao final, indicavam a casca de noz onde estaria a moeda viam-no erguê-la e mostrar que estava vazia de prêmios.

“Depois de várias vezes, porém, vi que seu repertório de movimentos tinha recorrências, e acabava repetindo uma mesma sequência feita há uns sete ou oito movimentos atrás... Discerni naquilo um princípio de ordem. Os movimentos começavam caóticos mas depois sempre se repetiam.

"Era como uma mão sem pena fingindo riscar um pergaminho, sem deixar letras escritas: as letras estavam ali, subentendidas nos movimentos mudos. Eram como lábios se movendo por trás de um vidro.

“Afastei a turba, postei-me diante dele, e me inscrevi para a aposta. Ele aceitou, preparou-se, e repetiu todo o ritual: começou a mover as cascas de noz bem devagar; pareceu-me meio errático, indeciso, mas logo foi acelerando o ritmo, e as estruturas de repetição apareceram. Eu estava ali, desafiando-o, e todos olhavam para mim, de modo que respirei fundo e segui seus movimentos com os olhos.

"Quando ele se deteve (detinha-se sem obedecer a nenhum padrão, era sempre um breque súbito) eu tinha a casca certa embaixo dos olhos, não a tinha perdido de vista um instante sequer. Ele deu um meio passo para trás e fez um gesto com a mão, oferecendo a mesa à minha escolha. Eu ergui a casca de noz que acompanhara com a vista: e lá estava a moeda.

“Ele apanhou com a ponta dos dedos a moeda e a estendeu para mim, com uma reverência. Quando a guardei na bolsa, ele ergueu as duas outras cascas, e embaixo delas havia os dois diamantes mais bem feitos que eu já vi na minha vida.

"E o povo de Campinoigandres prorrompeu numa tremenda gargalhada; a feira inteira parecia estar sabendo, fizeram a maior pateada, com berros e assobios, creio até que na janela de um castelo balançaram a bandeira da cidade.”