domingo, 13 de janeiro de 2013

3082) Ruínas (13.1.2013)




(Ian Ference)


Ruínas urbanas mostram como o metabolismo da civilização parece com o do corpo humano. Morte e nascimento o tempo inteiro. Não apenas a destruição violenta das guerras, terremotos, catástrofes; mas a do abandono político, do descarte imobiliário, da obsolescência física por desmando ou falta de planejamento. Construções que perdem a função e não são demolidas, apenas deixadas de lado para que a Natureza reabsorva suas matérias primas.

Hospitais caindo aos pedaços ou indústrias tomadas pelo matagal bravio são contrapartidas concretas, visíveis, para todos os outros tipos de estagnação e desmoronamento. Grandes grupos financeiros que quebram, afundam e são canibalizados pelos Bancos maiores. Partidos políticos cujas lideranças debandam após a primeira grande crise, deixando atrás de si apenas uma legenda baldia a ser ocupada pela matilha anônima de oportunistas e aproveitadores. Sobrenomes aristocráticos cuja liquidez financeira se esvai, na lenta sangria que faz definhar uma geração após a outra; e que tentam manter-se à tona do anonimato mediante colunas sociais e matrimônios políticos. Empresas que floresceram e incharam, primeiro graças ao protecionismo, depois ao monopólio, mas cuja espinha é quebrada por uma reviravolta tecnológica e sobrevivem vendendo as partes não-vitais de sua estrutura, até se desfazerem num farelo de ações sem valor.

Por toda parte percebemos essas lentas implosões sociais; às vezes levam um século para chegar ao fim. Estruturas vazias de vida, ou vazias da energia necessária para mantê-las vivas; estádios de arquibancadas derruídas cercando um enorme atoleiro; colégios desabando sob tetos apodrecidos de chuva; fábricas habitadas somente por lagartixas e lacraus. A pressa com que a arquitetura e a engenharia põem de pé essas estruturas arrogantes é inversamente proporcional ao tempo que a Natureza dedica a varrê-las do mapa com o vento suave da passagem dos anos. As ruínas célebres do mundo (pirâmides, coliseu) funcionam como um relógio em contagem regressiva, rumando para o oblívio mas parecendo nos dizer que seu terrível recado ainda não foi escutado por todos.

Um prédio em decomposição é a derrota da aparência para a funcionalidade. Como se aquela estrutura fosse uma obra de arte cujo impulso inicial foi dado pela Razão. Ela o criou com sua auto-suficiência e seu entusiasmo às cegas, mas após esse gozo precoce retirou-se, deixando o corpo, indefeso, entregue às forças lentas do Inconsciente, da Natureza e do Acaso.  Uma ruína é cega e julga-se invisível, mas está sempre brotando na paisagem como um dente podre no sorriso de um candidato ou “o câncer que nasce nos lábios da miss”.