sábado, 29 de junho de 2013

3225) Sim, Majestade (29.6.2013)




Eu era príncipe. Disseram-me desde cedo que eu estava sendo preparado para mandar. Um desejo meu era uma ordem.  A ordem, às vezes, nem precisava ser dada: eu pequeno erguia o dedo, e era como se tivesse desferido uma seta. O que eu apontava era trazido e posto aos meus pés, rodeado de olhares expectantes. Para eles, se eu, com cinco anos de idade, apontava algo, era porque havia um relâmpago do sagrado comandando aquele gesto, havia uma orquestração de vibrações divinas focalizando meu olhar e meu desejo naquele objeto. Eu apontava, ordenando. Eles traziam, colocavam aos meus pés e diziam: “Sim, majestade”.

Dizem que a infância é o melhor da vida, e que nada no presente se compara ao que nos ficou para trás. Entrar na adolescência foi para mim o difícil treinamento de viver num mundo que, estranhamente, se recusava a se dobrar ao meu reinado. Eu dizia: Não quero que chova amanhã; e chovia. Eu jogava uma pedra para cima e dizia: Eu não quero que ela caia; e ela caía. Eu chicoteava os servos, cuspia de fúria, babava de revolta; havia certos setores do mundo que não me reconheciam como rei.

Devo dizer que isso me entreteve durante anos? Que isso exauriu minhas forças, estragou o melhor de mim? Não vi a queda lenta do império que me cabia comandar. Vi o reino, o meu reino, se extinguir; vi a vida do mundo se esvair; vi um mundo tão selva em seu lugar. Os incêndios lavraram na medula das minhas fortalezas, dos meus refúgios. Vi meu povo de joelhos diante de alguém, dando-me as costas. As correntes da escravidão nos sujigaram a todos. Fomos levados a um cativeiro distante num lugar inóspito onde os pássaros bicavam sem motivo o nosso rosto. Lavramos pedras, quebramos rochas, nenhum dos escravos sabia que escravo era aquele, tão silente. O que me consolava era erguer a marreta e pensar: “Quebra, pedra” – e a pedra quebrava.

Tempestades de areia e uma doença de manchas roxas exterminaram nossos carcereiros. Fugi tanto deles quanto dos outros escravos (ser um deles me envergonhava) e me perdi no deserto. Um dia vi-me cercado por uma tempestade de areia e julguei morrer, mas logo percebi não ser areia, e sim uma espécie de névoa, de vapor dágua. Uma névoa muito fina que me envolvia e me gelava os dutos de respiração acostumados ao sol escaldante. Percebi estar entrando num mundo onde a natureza era diferente da que eu conhecera. Vi diante de mim uma massa enorme de granito com mais de duzentos metros de altura. E quando a névoa se esgarçou percebi que aquilo era um pé, um pé ciclópico. Uma voz perguntou na minha mente: “E agora, consegues me ver?”. E eu abaixei minha cabeça e disse: “Acho que sim, majestade”.