sexta-feira, 3 de outubro de 2014

3620) A Revolução das Umbrelas (3.10.2014)




São guerras festivas: uma revolução dos cravos, uma revolução das umbrelas. Uma cidade tomada por um milhão de guarda-chuvas abertos, enfrentando os policiais com seus cães e seus escudos.  A revolução é uma espécie de rito sazonal que dá a volta ao mundo de tantos em tantos meses.  Em Hong-Kong, os jovens querem votar.  Para eles, como para qualquer bando de idiotas que fique, digamos, uns vinte anos sem votar, eleger um Presidente é uma conquista.  Se contentarão com essa duvidosa honra, quando a conseguirem, ou terão coragem de encarar todo este resto?



Um poeta desfolha a bandeira, uma moça desabrocha a sombrinha, e o fato de ser jovem e estar num epicentro qualquer a eleva nos ares como uma Mary Poppins interpretada por Michelle Yeoh.  Era uma hongkonguiana qualquer, uma menina filha dum pessoal e que estudava num colégio, até então uma garota como qualquer outra.  De repente podia votar.  De repente podia escolher em quem queria votar.  De repente, um belo dia, podia estar pedindo aos outros que votassem nela.



O fato de poder quantificar vontades individuais (em eleições, referendos, etc.) é útil principalmente num mundo em que temos de um lado cidadãos sem noção dos seus mínimos direitos diante dos demais, e do outro lado cidadãos sem noção dos seus mínimos deveres diante da sociedade.  Tem gente que acha que está lá para ser capacho mesmo, e a vida não poderia jamais ter sido outra coisa.  E tem gente que, como se diz por aí, “é só venha-a-nós, e ao vosso reino nada.”



Outra faceta disso é que o voto do cientista político vale tanto quanto o do analfabeto, o do governador tanto quanto o do mendigo, embora longe da urna tudo volte à proporção anterior. Além do mais, as eleições são uma maneira de provocar uma febre artificial no povo, estudar suas reações, programar-se para montá-lo.  O povo é um cavalo cheio de venetas, aguenta mil coisas mas de vez em quando manda um pro espaço.  Quem ambiciona montá-lo tem que estudar seus corcoveios – e suas preferências gastronômicas.



Eu não acho que o sistema do voto seja garantia de democracia.  Poder votar é poder opinar, mas um voto no meio de dezenas de milhões perde peso, quase desaparece.  Deve ser emocionante viver numa cidadezinha tão pequena que uma eleição de vez em quando seja decidida por um voto, como um jogo de basquete por um ponto.


E as umbrelas revolucham, revolucham sem parar.  A chuva pode ser lacrimogênea, o granizo de granito, mas as valorosas umbrelas estão ali, defendendo uns hongkonguianos quaisquer não sabemos quem são, mas não duvido que ali no meio também estejam Guy Fawkes, Gene Kelly, Darth Vader, Indiana Jones, Che Guevara, Homem Aranha, Hulk.