sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

3086) "O Reino de Kiato" (18.1.2013)





(capa da 1a. edição)



Entre os romances utópicos que a literatura brasileira produziu no começo do século 20, O Reino de Kiato (No país da verdade) de Rodolfo Teófilo (1853-18921932), publicado em 1922, não traz nenhuma novidade ao gênero (repete a fórmula com zelo de principiante e deslumbramento de recém-chegado), mas pode suscitar boas discussões sobre que tipo de utopia os nossos escritores enxergavam para o país. 

Teófilo foi um sanitarista que realizou em Fortaleza campanhas de vacinação contra a varíola, durante uma das mais mortais epidemias dessa doença, a partir de 1900. 

Seus romances regionalistas (que não li) parecem ter adotado a veia naturalista de descrição minuciosa de fatos desagradáveis (a doença, etc.). Em Kiato, ele vai na direção contrária. 

Seu protagonista é o cientista norte-americano John King Paterson, que mais uma vez confirma a falta de jeito dos escritores brasileiros para criar nomes em inglês, os quais nunca soam plausíveis. 

Ao viajar para a Europa a fim de divulgar um remédio que inventara para curar as neuroses, Paterson vai aportar acidentalmente numa ilha, o Reino de Kiato, onde encontra um país que resolveu todos os seus problemas, principalmente os três que Teófilo considera “fatores da degeneração do gênero humano”: o álcool, a sífilis e o tabaco.

O Brasil daquela virada de século devia mesmo ser um país insalubre, porque esses romances utópicos insistem sem parar na importância da limpeza, da higiene, da ausência de vícios. Insistem também na eugenia, no que eles chamam “o aprimoramento físico e mental da raça”. 

Os habitantes de Kiato têm mais de dois metros de altura, trabalham com alegria nas tarefas da roça, e vivem num mundo absolutamente organizado, onde as mulheres se dedicam somente às tarefas do lar, os impostos são pagos com alegria nas repartições do governo, a população obedece feliz ao toque de recolher às dez horas da noite.

É típico de certas utopias começarem, lá pelo meio do livro, a parecer distopias. 

A ânsia civilizatória de Rodolfo Teófilo o faz imaginar uma nação feliz que mais parece um pesadelo, um país onde não existe polícia porque todos os cidadãos obedecem alegremente a tudo que o Rei Pantaleão III determina. 

Por ingenuidade sociológica, os autores que imaginam sociedades perfeitas sempre criam projetos totalitários, eugênicos, higienistas e repressores. Durante o tempo que vive em Kiato, Paterson não conversa com nenhum habitante local, apenas com seu hoteleiro, William Robert, inglês como ele. É como se aqueles cidadãos felizes fossem robôs inacessíveis, ou a Utopia não passasse de um museu holográfico com o qual não fosse possível interagir.