terça-feira, 6 de dezembro de 2022

4890) Futebolês paraibano (6.12.2022)



Como sempre, aviso que chamo isto de glossário paraibano porque foi na Paraíba que estas expressões surgiram para mim. Podem perfeitamente ser termos correntes em outros Estados brasileiros. E é bom lembrar que, como tudo na cultura oral, cada expressão assim tem formas diferentes em cada caso, ou contextos diferentes. Não existe “a forma certa”. Tudo são variantes igualmente válidas
 
Estamos em Copa do Mundo; ver os jogos me entusiasma pela partida em si, e me faz surgir na memória esse glossário instintivo, que às vezes me dá a impressão de estar tão antigo e olvidado quanto os hieróglifos egípcios. Essa linguagem morreu? “Morreu pra você, filho ingrato.”
 
 
BANHO DE CUIA 
É o famoso “lençol” ou “chapéu” tão conhecido no mundo inteiro, quando o jogador lança a bola por cima da cabeça do adversário e a recolhe do lado oposto. Lance de habilidade, e considerado humilhante por quem é vítima dele. Muita gente já foi pro banho-de-chuveiro antes do tempo por ter levado um banho-de-cuia. 
 
CONTRÓLE
Atenção para a vogal “ó”, aberta. Trata-se do que aqui no Rio chamam de “linha de passe”, uma brincadeira informal (=sem ser durante um jogo) em que alguns jogadores ficam trocando passes entre si, sem deixar que a bola caia no chão. Às vezes faz-se diante de uma barra com goleiro, e depois de “x” passes bem sucedidos os jogadores têm o direito de tentar o gol.
 
DOIDINHO
É o famoso “bobo”: uma brincadeira em que todos trocam passes sem deixar que o doidinho se aposse da bola. Quando ele consegue, passa a ser o doidinho quem perdeu a bola para ele.
 
FOI UM? NÃO!
No fim de uma pelada, todo mundo veste as roupas, recolhe a bola. Geralmente volta-se em grupo para as respectivas casas, mães e banhos, todo mundo ainda falando, discutindo, comentando a partida. E quando há uma goleada, digamos por 4x0, um dos vencedores puxa o coro: “Foi um?...” Todos gritam: “Nããão!...” Ele: “Foi dois?” “Nããão!...”  “Foi três?” “Nããão!” A última pergunta já é feita num tom mais alto, prenunciando a resposta: “Foi quatro?...”  E o berreiro dos vencedores: “Fooooooiii!...” 
 
CENTRAR
Cruzar a bola para dentro da área; “dar chuveirinho”. Usa-se também o substantivo correspondente: “É uma injustiça Fulano conseguir fazer um centro daqueles e não aparecer um filho de Deus que saiba como se cabeceia uma bola!”. 
 
FULANO, PEDE PRA CAGAR E SAI!
Grito inevitável que vem das arquibancadas quando um jogador está tendo uma péssima atuação. De tão frequente, acabou gerando um complemento igualmente inevitável: “Só se pedir pra ir se limpar, porque cagar ele já está cagando!”.
 
BOTA PRA MACAXEIRA!
Uma ordem peremptória: “Chuta essa bola pra bem longe!...” Geralmente se usa nas horas de sufoco, quando é preciso garantir um placar. No Brasil inteiro circula uma versão mais refinada: “Bola pro mato, que o jogo é de campeonato!...”
 
ISCA
Passe sacrificado, um “presente de grego”. Uma bola passada com defeito, que coloca o recebedor do passe numa situação difícil. Usa-se muito para qualificar bolas recuadas para o goleiro: “Eu não gosto de jogar no gol com Fulano no time. Toda vez que ele está no aperto ele manda cada isca pra gente que já vale por meio gol!...”   “A culpa não foi dele!  Deram a maior isca, ele não tinha como fazer o gol.” 
 
TIVUCO, TUBA
Chute muito forte. O vocabulário brasileiro é muito rico em expressões para isto: foguete, paulada, bomba, petardo, canudo, tirambaço, sapatada... “Tivuco” e “tuba”, mais do que paraibanos, eram termos correntes entre os peladeiros do Alto Branco, e preciso deixá-los aqui registrados para a posteridade. “Lembra daquele zagueirão, um negão alto, que tinha uma tuba da gota serena?!”  “Dei um tivuco que o goleiro nem se mexeu, a bola entrou lá no canto.” 
 
BUFO-BUFO
Onomatopeia. Jogo à base de chutões para a frente e muita correria.  Lembro de meu pai comentando, quando o Treze contratou para técnico o uruguaio Raul Betancourt, que era do Sport do Recife: "Eu não sei qual foi o milagre desse técnico pra fazer o Treze baixar essa bola, o Treze sempre foi um time de bufo-bufo”.
 
DOIS-BOLOS
É a tradicional “bola ao chão”: reiniciar um jogo interrompido jogando-se a bola para o alto entre dois jogadores, um de cada time.  Muitas vezes se dizia, a título de complemento: “Dois bolos, um em cima, outro em baixo”, para deixar claro que a bola só estaria em jogo depois de tocar o chão.  O “bolo”, no caso, seria um hipotético toque da bola no ar, e depois outro no chão.
 
JOGAR PRA MOÇA VER
Jogar um futebol elegante, refinado, de jogadas difíceis executadas com simplicidade. É uma expressão elogiosa, e de uma época em que a presença de mulheres no estádio era mínima. Aplica-se tanto a um jogador quanto a um time inteiro. “A seleção de Telê Santana jogava pra moça ver!”
 
QUEIMAR
Largar a bola (diz-se com relação ao goleiro). “Era um chute despretensioso, de longe, mas aí o goleirão queimou, e num instante apareceu quem empurrasse pra dentro”. Subentende-se que a bola estava “queimando” e o goleiro não conseguiu segurar.
 
É CANJA DE GALINHA!
Grito de vitória tradicional, berrado em coro pela equipe vencedora de uma pelada, e frequentemente usado nas arquibancadas pelos torcedores num jogo de verdade: “É canja, é canja, é canja!  / É canja de galinha! / Arranja outro time / pra jogar com a nossa linha!...”