sábado, 20 de fevereiro de 2010

1680) Imagens clássicas da FC (31.7.2008)




No imenso areal, sob um sol abrasador, ergue-se o corpo gigantesco na Estátua da Liberdade, enterrada até a cintura, erguendo sua tocha de pedra, toda avariada. Esta imagem dispensa explicações. Sabemos logo que centenas ou milhares de anos terão se passado, e que no mundo do futuro isso será tudo que sobrou da ilha de Manhattan. A maioria dos espectadores recordará esta como sendo uma das imagens clássicas da ficção científica no cinema. Ela é o clímax do filme O Planeta dos Macacos de Franklin J. Schaffner (1968). (A imagem pode ser vista, p.ex., aqui: http://fatadelic.wordpress.com/2007/12/05/you-know-the-saying-human-see-human-do/

Qualquer sujeito que usasse hoje uma imagem tão famosa seria imediatamente acusado de plágio. Mas tenho aqui sobre a minha mesa o exemplar de fevereiro de 1964 da revista Amazing Stories, cuja capa, desenhada por Alex Schomburg, mostra (quatro anos antes do filme) a mesmíssima imagem, só que as ruínas da estátua são contempladas por astronautas que acabaram de descer de um disco voador.




Um leitor esperto irá argumentar que o filme dos macacos se baseia num romance de Pierre Boulle, de 1963, e que talvez Schomburg tenha colhido de lá a idéia.

Mas uma visita ao websaite “The Last Flight of Icarus”, relacionado ao filme, nos mostra (http://www.goingfaster.com/icarus/faq.html) que o mesmo Schomburg havia desenhado outra capa com o mesmo tema para a revista Fantastic Universe em 1953! O saite mostra as duas capas de Schomburg.



Quando a gente começa a pesquisar coisas desse tipo, é como extrair conchas ou cacos de cerâmica de um sambaqui. Quando mais cava, mais aparece.

Uma olhada na indispensável Encyclopedia of Science Fiction de Peter Nicholls & John Clute, mostra, no verbete relativo ao filme, este comentário, sobre a imagem da estátua semi-soterrada: “uma imagem maravilhosa, talvez inspirada pela capa que Hubert Rogers fez para a revista Astounding Science Fiction, em fevereiro de 1941”.



Não contei conversa, cliquei no Google e fui lá (http://storypilot.com/sf/art/asf/asf-194102.jpg). De fato, lá está a imagem de um casal em roupas de tarzan-e-jane, remando numa canoa, aproximando-se de uma praia na qual se ergue o familiar pedestal de pedra, sendo tomado pelo matagal, e a familiaríssima estátua, meio estragada mas reconhecível. A única diferença é que não está meio enterrada; mas trata-se, claramente, da única ruína sobrevivente de uma grande cidade.

Chegando em 1941 resolvi parar, pois só o que me faltava era ir parar num romance de FC anterior a 1886 (ano da inauguração da estátua) onde ela já aparecesse cumprindo esse papel de derradeira ruína de nossa civilização.

Cópias, imitações, influências, plágios, empréstimos compulsórios, homenagens à revelia, tudo isto é o feijão-com-arroz da indústria cultural. No caso da FC, é o processo através do qual se criam e se perpetuam os nossos mitos sobre o Espaço e o Tempo.





1679) O pensamento animal (30.7.2008)



(Sue Savage-Rumbaugh)

Cientistas vivem pesquisando (com verbas minguadas e pouco interesse da imprensa) a comunicação entre seres humanos e animais. É sintomático que a gente seja capaz de acreditar em “inteligência artificial”, algo produzido em laboratório com chips e fiação elétrica, e não se interessa pela inteligência de criaturas que convivem conosco há milhões de anos. Já defendi a necessidade de pesquisas para que pudéssemos nos comunicar com os macacos (http://mundofantasmo.blogspot.com/search?q=0095). Arrependo-me do modo impudente com que tratei nossos semelhantes, e temo que em poucas décadas, já alfabetizados, eles leiam aquela coluna e cuspam no meu túmulo.

Leio agora na New Scientist de 24 de maio que cientistas como Sue Savage-Rumbaugh, da Georgia State University (Atlanta) têm feito progressos notáveis na comunicação com os chimpanzés, principalmente os chamados chimpanzés-anões (“bonobos”). Os macacos já são capazes de entender centenas de palavras inglesas e mesmo frases de construção complexa. Não as repetem, porque seu aparelho fonador é diferente do nosso; mas entendem instruções, cumprem ordens. Diz a revista que “usando quadros com figuras, eles participam de conversas entre dois, três ou quatro interlocutores, entre humanos e macacos, falando sobre objetos, intenções, ações e estados de espírito”.

Os chimpanzés-anões são capazes de entender frases que contenham um verbo e três substantivos: “Pode levar o chocolate para a sala do meio?” Bonobos chegaram a inventar palavras compostas, reunindo “água” e “ave” para designar “pato”. Há um animal chamado Kanzi que é capaz de entender centenas de frases, como “mostre-me a bola”, “traga a figura com a cobra” ou “posso beliscar seu bumbum?”. A Dra. Savage-Rumbaugh cita uma ocasião em que ela entregou a Kanzi uma cenoura, pedindo-lhe que a colocasse na água. O chimpanzé jogou a cenoura pela janela. Ela achou que ele não tinha entendido, e repetiu o pedido. O chimpanzé apontou para fora: estava chovendo.

E não só chimpanzés. O mesmo artigo cita um papagaio chamado Alex, que foi estudado durante 20 anos numa universidade em Massachusetts. Alex conhecia as palavras que designavam mais de 50 objetos, sete cores e cinco formas geométricas. Entendia os números de 1 a 10, embora não soubesse contar em seqüência; e (o artigo afirma, mas não explica como) compreendia o conceito do zero, que mesmo para a humanidade demorou milhares de anos para surgir. Infelizmente, Alex morreu no ano passado.

Se dedicássemos a isto meros 10% do que dedicamos à informática (não que eu tenha nada contra ela!) talvez chegássemos a resultados surpreendentes. Dizemos que os animais não são inteligentes apenas porque eles não são inteligentes como nós, e nos maravilhamos com eles quando aprendem formas rudimentares de nossa apreensão do mundo. Não custaria nada tentarmos aprender um pouco o modo como eles próprios pensam, lembram, sentem, se comunicam.

1678) Bushismos (29.7.2008)



Um dos passatempos da imprensa, nos regimes democráticos, é ridicularizar sem dó os chefes de governo. Alguns são mais fáceis de ridicularizar do que outros. Rir de Itamar Franco, por exemplo, era mais fácil do que de Fernando Henrique. Hoje em dia, o presidente Lula, com seus improvisos zé-limeirianos e seus freqüentes solecismos faz a festa da imprensa metida a chique, que volta e meia brada: “Estão vendo no que dá, botar um operário nordestino no poder?!” Nos EUA, George W. Bush é outro que não pára de fornecer material a quem o ridiculariza, a tal ponto que a imprensa criou o termo “bushismos” para designar seus erros de concordância, suas deficiências de informação, suas falhas de lógica ou simplesmente suas frases mal-arrumadas que acabam dizendo o contrário do que pretendiam.

Uma coluna na revista eletrônica “Slate” atualiza periodicamente os bushismos do Líder Deles. No dia 15 passado, George W. descreveu assim a brutalidade dos terroristas afegãos: “Eles não têm desrespeito pela vida humana”. Como todo sujeito que não sabe onde está nem o que está fazendo, Bush parece estar pensando sempre numa coisa e no seu oposto. Volta e meia, é o oposto que lhe escapa pela boca. Suas construções frasais também geram sentidos inesperados, como quando ele disse em 26 de junho: “Lembro-me de ter me encontrado com a mãe de uma criança que foi raptada pelos norte-coreanos aqui mesmo no Salão Oval da Casa Branca”. Garanto que metade da população diante da TV derramou um pouco de café ou cerveja no sofá, diante da ousadia dos comunistas orientais.

Bush é o seu mais ferrenho contraditor. Disse ele, em 2 de julho: “Deve o regime do Irã – deve ele ter o direito soberano de possuir energia nuclear para fins civis? Bem, tipo assim, se eu fosse vocês, era o que eu estaria me perguntando. E a resposta é: sim, eles têm”. Ainda estou esperando para ver no YouTube uma seqüência de vídeos em que o nosso bravo George W. discute consigo mesmo.

A afabilidade diplomática de “Dubya” (como é chamado o presidente, devido ao modo como pronuncia a letra “W”) é muitas vezes traída pela sua geografia. “Temos excelentes relações com os países de nossa vizinhança,” anunciou ele em plena Eslovênia. E em Ghana ele afirmou: “Muitas vezes me perguntam que diferença faz para os EUA se há pessoas morrendo de malária num lugar como Ghana. Faz muita diferença. Faz muita diferença, moralmente, e é do nosso interesse nacional”.

Bush, como Reagan, reforça minha teoria de que o Presidente é quem tem menos poder nas democracias atuais. O Presidente é um mero relações públicas, que faz discursos na TV. Cabe-lhe ser o porta-voz dos que realmente governam, os quais lhe explicam as decisões que precisa tomar. Como ele mesmo disse, em 12 de maio: “Vai demorar muito até uma pessoa esperta descobrir o que aconteceu aqui neste Salão Oval”. Quando descobrir não vai fazer diferença. Haverá outro cumprindo o mesmo papel.