sábado, 13 de setembro de 2014

3603) "Another side of Dylan" (13.9.2014)



Mais um livro sobre Bob Dylan está nos balcões: Another Side of Bob Dylan de Victor & Jacob Maymudes.  Victor foi assistente pessoal de Dylan durante décadas, sempre considerado como um “faz-tudo” e uma pessoa do círculo mais próximo do artista. Antes de morrer em 2001, ele deixou várias fitas cassetes com depoimentos para um livro de memórias, finalmente compilado por seu filho Jacob. Maymudes é um desses coadjuvantes discretos que a gente se acostuma a ver em todo documentário, biografia ou série de fotos sobre o bardo. Onipresente, eficiente e invisível.        

Um trecho citado nas resenhas me chamou a atenção, quando ele fala sobre o álbum que deu o título do seu livro. Reza a lenda que Another Side of Bob Dylan foi gravado, por Dylan, sozinho, numa única sessão ao longo de uma única noite (9 de junho de 1964). Diz Maymudes: “Ele nunca tinha cantado aquelas canções para ninguém antes daquela noite. Apenas despejou tudo de uma vez. Era como um capacitor armazenando eletricidade e depois jogando pra fora. Estava com tudo aquilo guardado e deixou explodir. Eu estava zonzo.”  O disco tem pelos menos três clássicos: “My Back Pages”, “It ain’t me, babe” e “Chimes of Freedom”, além de canções menores de que gosto, como “To Ramona”, “Spanish Harlem incident”, “All I really want to do”, etc. 

A façanha no caso não foi “compositorial”, mas de intérprete. A fórmula compacta de apresentação do cantor Dylan (voz + violão + gaita) lhe dera àquela altura (era seu quarto disco) domínio total sobre estes recursos. Na verdade, foram 14 as canções inéditas e recentes que ele gravou naquela noite (embora somente 11 fossem selecionadas para o disco). Era típico do seu estilo: Dylan passou mais de quinze anos sem permitir, em nenhum disco seu, que voz e violão fossem gravados em separado, como hoje se faz. (Alguns dizem que ele nem sequer conhecia essa possibilidade.) Para ele, o ganho em nitidez sonora (o Santo Graal dos técnicos de som) acarretava uma perda em jogo rítmico e em espontaneidade.

Dá pra pensar sobre isto, nesta indústria de hoje em que você usa dez músicos numa mesma faixa e eles nunca se cruzam no estúdio. Vão lá em dez datas diferentes, ouvem o que já foi gravado e gravam sua participação em cima. Não há diálogo, não há troca musical. O baixista gravou ouvindo a bateria, que já estava pronta, mas isso significa que o baterista gravou sem ter ouvido o baixo. Todo o “kardec” que rola entre músicos, toda a percepção intuitiva do que fazer diante do que o colega acabou de mostrar, todo o diálogo rítmico e harmônico... tudo isso se perde com essa frieza.