terça-feira, 24 de maio de 2022

4826) "Love, Death & Robots - ano 3" (24.5.2022)



 
Os derradeiros despojos da ficção científica dos Estados Unidos foram repartidos entre a Disneylândia e o Pentágono.
 
A frase acima não representa minha opinião oficial sobre o tema. É apenas um gracejo que me ocorreu, enquanto assistia a terceira temporada da ótima série de animação Love, Death and Robots (produzida por David Fincher), que entrou recentemente na Netflix. O nível técnico da série (a animação em si) é de excelente qualidade, as histórias são rotineiras mas bem desenvolvidas. Há várias adaptações de contos de autores da “primeira linha” da FC (Ellison, Scalzi, Bacigalupi, Ballard, etc. – e nesta terceira série, Bruce Sterling e Michael Swanwick.).
 
Aqui, minhas impressões sobre os nove episódios desta série mais recente.
 

Ep. 1 – “Three Robots: Exit Strategies”, de Patrick Osborn, bas. em John Scalzi.
São três robozinhos exploradores dos resíduos da civilização humana. Ficaram como uma espécie de personagens-símbolo da série. Diálogos curtos e ferinos, mostrando as razões do fracasso do processo civilizatório no planeta Terra, fracasso que já em 2022 era irreversível e de conhecimento público, mas, fazer o quê?  Fazer humor, melhor que nada.

 

Ep. 2 – “Bad Travelling”, de David Fincher, bas. em Neal Asher
Um monstro meio crustáceo-antropófago se apodera de um navio e sequestra a tripulação. Uma narrativa totalmente noturna e dark, que não tem nada de mais mas acaba se destacando por sua ambientação marítima e retrô, fugindo ao tom de space opera da maioria dos episódios da série.
 



Ep. 3 – “The very pulse of the machine”, de Emily Dean, bas. em Michael Swanwick
Uma astronauta “naufraga” num satélite e precisa aproveitar o oxigênio da companheira que morreu no acidente, enquanto atravessa a pé um deserto e se enche de drogas para manter-se viva. Visões alucinógenas, comunicação telepática... uma daquelas “robinsonadas” da FC, pessoa sozinha tentando sobreviver em meio hostil. 
 
 

Ep. 4 – “Night of the Mini Dead”, de Robert Bisi & Andy Lion, bas. em Jeff Fowler & Tim Miller.
Um dos melhores episódios, descrevendo a escalada gradual (mas acelerada) de um apocalipse zumbi que começa no cemitério de uma cidade e acaba se espalhado pelo planeta. O uso permanente da imagem distanciada é um recurso simples mas muito eficaz. A narrativa é tão acelerada quando a ação. Lembra o episódio “Ice Age” da 1ª. temporada, em que toda uma civilização se desenvolve e se auto-destrói em poucos dias, no freezer de um casal.



Ep. 5 – “Kill Team Kill”, de Jennifer Yuh Nelson, bas. em Justin Coates
Um fucking team de soldados armados até os fucking dentes enfrenta na floresta um fucking urso-cyborg criado pela CIA, numa orgia de disparos, rajadas e fucking explosões. Uma prova de que as armas de fogo não passam de um substituto-potencializador da ejaculação masculina (ou pelo menos é isso que um personagem dá a entender, lá na fucking linguagem dele).
 



Ep. 6 – “Swarm”, de Tim Miller, bas. em Bruce Sterling
É a única história desta série que eu já conhecia, baseado num dos contos mais intrigantes de Sterling (1982; no livro Crystal Express, 1989), da sua série “Shaper/Mechanist”. Cientistas humanos mergulham num mundo subterrâneo (ou subaquático?), comunicando-se com espécies alienígenas através de feromônios. Não reli o conto, não sei até que ponto o enredo se mantém, mas a estranheza do ambiente e dos seres é muito bem reconstituída. A animação a serviço da imaginação pura, cheia de alusões e de subtextos biológicos. Um dos melhores episódios desta série.
 


Ep. 7 – “Mason’s Rats”, de Carlos Stevens, bas. em Neal Asher
Um fazendeiro precisa de livrar de uma praga de ratos mutantes, inteligentes, e recorre a um vendedor de armamento de extermínio high-tech. Desgraça vai se amontoando por cima de desgraça, enquanto ele é forçado a comprar armas cada vez mais sofisticadas e mais caras, que fazem os ratos evoluírem milênios em questão de dias. O fazendeiro começa a ficar de saco cheio com aquilo, e a ter idéias. Ótimo episódio de tiroteio, com humor e criatividade.



Ep. 8 – “In vaulted halls entombed”, de Jerome Chen, bas. em Alan Baxter
Outra fucking aventura de um fucking grupo de super-soldados invadindo uma caverna protegida por enxames (?) de fucking aranhas metálicas antropófagas. Os sobreviventes acabam tendo acesso a um fucking templo megalítico subterrâneo, onde (depois que a munição deles se esgota) uma fucking criatura lovecraftiana os hipnotiza e pede para ser libertada. Fuck.



Ep. 9 – “Jibaro”, de Alberto Mielgo.
É o episódio mais enigmático e elusivo de todos, mostrando um grupo de guerreiros numa floresta sendo atraídos a um lago por uma aparição feminina que lembra um destaque de Escola de Samba e que causa um morticínio geral. Faço piadas, mas o episódio tem uma belíssima sucessão de imagens, tem uma narrativa puramente visual que lembra em alguns momentos o ritmo “aos solavancos” dos videogames, e nele a violência é um elemento, apenas, numa mandala narrativa de mitologia e mistério. O diretor Mielgo (ao que parece, autor do argumento) já havia apresentado, na temporada 1, o episódio “The Witness”.
 
Três temporadas já são o suficiente para fazer desta série uma das melhores séries antologia de FC em streaming, comparável aos melhores momentos de Black Mirror. O fato de ser em animação é um atrativo a mais, porque de história para história não mudamos apenas de ambiente e personagens, mudamos o alfabeto visual por inteiro. Mesmo com as inevitáveis repetições!  Grupos de mercenários fuzilando monstros, pessoas trancafiadas com monstros em ambientes fechados, robôs frankensteinianamente descontrolados, personagens aparentemente frágeis ou ingênuos revelando-se páreo-duro para monstros ou exércitos...
 
São os clichês e as convenções de qualquer gênero bem sucedido quando encontra um novo nicho de expressão e exibição. É sempre bom levar em conta que mesmo um clichê acaba sendo visto pela primeira vez por alguém, porque novas gerações de espectadores não param de surgir. E la nave va.