quinta-feira, 28 de maio de 2015

3826) Somos um videogame (29.5.2015)


(ilustração: Julian Garcia)



Escrevi nestes dias sobre o PlayStation Terra, o hiper-mega videogame que é o nosso universo, de acordo com uma teoria de Rich Terrile, cientista da Nasa. Ele diz que o avanço da computação e do processamento de dados leva a crer que um dia criaremos simulações de computador equivalentes a um mundo de verdade. Diz Terrile que o universo, como a computação gráfica, é formado de pixels, minúsculos pontos ou unidades indivisíveis. Há um limite da matéria além do qual não conseguimos observar, o que sugere que mesmo sendo o número de “pixels” do universo um número espantosamente grande, não é infinito, e se não é infinito é computável.

Cada um desses pixels do nosso mundo, diz ele, pode ser definido por coordenadas de tempo, espaço, volume e energia. Ele diz: “Estamos no limiar de um estado em que seremos capazes de criar um universo, uma simulação, e de descobrir que nós também estamos vivendo no interior de uma simulação parecida, que poderia por sua vez produzir mais uma, e assim por diante. Nossos seres simulados poderiam produzir novas simulações. O que me intriga é que, se existe um criador, e no futuro haverá um criador que seremos nós mesmos, isto quer dizer que nós também podemos ter sido criados por alguém. Somos como deuses, e como criaturas de deuses, e tudo é produto nosso.”

A FC brinca com essa idéia há décadas. No conto de Frederik Pohl “The tunnel under the world” (1954, texto aqui no Projeto Gutenberg: http://tinyurl.com/mbvtvfn) o personagem começa a perceber estranhas descontinuidades e repetições no seu dia-a-dia (os famosos “erros da Matrix”), até descobrir que o seu mundo é uma simulação, com pessoas dotadas de pseudo-consciência e pseudo-livre-arbítrio, feitas para testar campanhas publicitárias. (Premissa retomada por Daniel F. Galouye em seu clássico Simulacron-3, de 1964.)

Fernando Pessoa, estudioso dos filósofos gnósticos, fez experiências com essa idéia de uma hierarquia de deuses criando uns aos outros, cada novo deus menor e mais imperfeito do que o que o criou. No soneto 1 do tríptico “No Túmulo de Christian Rosenkreutz”, ele diz:  

“Quando, despertos deste sono, a vida, / soubermos o que somos, e o que foi / essa queda até corpo, essa descida / até à noite que nos a Alma obstrui, // conheceremos pois toda a escondida / verdade do que é tudo que há ou flui? / Não: nem na Alma livre é conhecida… / nem Deus, que nos criou, em Si a inclui. // Deus é o Homem de outro Deus maior: / Adão Supremo, também teve Queda; / também, como foi nosso Criador, // Foi criado, e a Verdade lhe morreu… / de Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda; / aquém não há no Mundo, Corpo Seu.”