sexta-feira, 9 de setembro de 2011

2657) Você que tinha razão (9.9.2011)



Uma das desvantagens de ter dez anos é que ninguém nos dá ouvidos. Uma das vantagens é que não passa pela cabeça de um adulto que nós, pirralhos, somos capazes de ver e ouvir.

Meu pai e minha mãe conversam um repertório espantoso de assuntos (que – se lhes fosse perguntado – eles garantiriam que “não era assunto para crianças”) na minha frente e da frente da minha irmã, de oito anos. Imagino que já se acostumaram tanto à nossa presença que é como se a gente nem estivesse ali. E que se acostumaram tanto com a nossa fase de bebezinhos (fraldas, mamadeiras) que na cabeça deles continuamos nessa fase, incapazes de focar o olho ou de apurar o ouvido.

Vai daí que discutem sem parar na nossa frente, e mostram o quanto os adultos são contraditórios. Todo dia a discussão obedece o mesmo padrão, só muda o assunto.

Digamos que o assunto é dinheiro. Minha mãe diz: “Você não tem jeito mesmo, a gente precisando das coisas e você torrando o dinheiro com besteira”.

Meu pai: “Eu só gasto com coisa necessária”.

Ela: “Duzentos reais num litro de uísque, isso é coisa necessária?”.

Ele: “Era uma promoção! Esse uísque não sai por menos de 400”.

Ela: “Homem é fogo, só homem mesmo pra raciocinar desse jeito”.

Ele: “Você não vive dizendo que eu sou gastador? Fiz 50% de economia e você ainda reclama”.

Ela: “Reclamo porque uísque não é economia, e além disso você só toma cerveja”.

Ele: “Mulher é tudo igual. Existe hora de cerveja e hora de uísque”.

Ela: “Sim, mas o ar condicionado quebrou e não apareceu dinheiro pra comprar outro. Já o uísque...”.

Ele: “Estou esperando aparecer uma promoção de ar condicionado. Não tenho culpa se a promoção do uísque apareceu primeiro”.

Ela: “Ah, chega, você parece que é imbecil, não tem diálogo”.

Ele: “Você que é idiota, parte logo pra agressão”.

Aí ficam os dois comendo em silêncio, e minha irmã pisca o olho pra mim.

Meia hora depois estão os dois nos braços um do outro.

Ele: “Desculpe. Eu sou mesmo um imbecil. Você que tinha razão”.

Ela: “Não, não, eu sou uma idiota. Quem tinha razão era você.”

Ele: “Não, meu amor, eu sou um irresponsável, vou devolver o uísque, espero que eles não percebam que está faltando uma dose”.

Ela: “Não, fique com seu uisquinho, você trabalha tanto, merece relaxar. Eu é que sou uma chata, uma egoísta.”

Ele: “Não, eu negligencio as coisas de casa, mas é tanto estresse, eu tenho que tomar uma”.

Ela: “Não, você cuida tanto, eu é que fico lhe cobrando sem necessidade, você é o melhor marido do mundo”.

Ele: “Tá certo, então eu fico com o uísque e compro um ventilador”.

Os dois se agarram aos beijos, e minha irmã pisca o olho pra mim.