sábado, 12 de maio de 2012

2868) Explosões sertanejas (12.5.2012)




(Othon Bastos em Deus e o Diabo na Terra do Sol)

Freud falava sobre o “retorno do reprimido”, quando tentamos esquecer na marra alguma coisa que nos incomoda, mas essa coisa se recusa a ser esquecida.  A gente tranca no porão e ela reaparece na geladeira.  A gente queima no forno e ela entra pela janela. A gente enterra no quintal e volta a encontrá-la num pacote trazido pelo correio. 

O Reprimido é como aqueles monstros do filme de terror que na última meia hora de filme são destruídos dez vezes e ressuscitam onze.

O Sertão é um monstro incômodo na memória brasileira. É como um mural de imagens gigantescas e incompreensíveis que o brasileiro urbano abaixa a cabeça para não ver quando percorre as ruas da metrópole.  

De vez em quando, ele explode em nossa cultura de uma maneira tal que ninguém pode mais negar sua presença, como um hidrante que estoura no meio da rua ou uma avalanche de lama e pedras que desmorona morro abaixo. 

Cada pessoa pode fazer sua própria lista dessas explosões. 

A minha lista começa com a publicação de Os Sertões de Euclydes da Cunha em 1902, documentando a Guerra de Canudos em 1896-7.  Foi, salvo engano, o maior massacre de brasileiros feito por brasileiros, e gerou uma obra cuja repercussão ainda não se esgotou.  

Euclides da Cunha é o nosso grande exemplo de escritor convertido.  Foi contratado para escrever uma história e ao chegar no local viu que os fatos eram outros. Sua honestidade intelectual o levou a quebrar o compromisso assumido, e, ao invés de celebrar uma punição, ele denunciou um crime. 

Em seguida veio o "Romance de 1930", a explosão de regionalismo realista que nos deu Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e tantos outros. O Sertão, como temática, somente então ganhou uma recriação ficcional à altura (eu incluo nessa explosão abalos mais tardios como o Grande Sertão de Guimarães Rosa em 1956 e a Pedra do Reino de Ariano Suassuna em 1971, transfigurações míticas do discurso realista original).  

A terceira explosão se deu na música popular, a partir de 1946 quando Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira tiveram o seu “Baião” lançado em disco. Músicas sertanejas tinham sido ouvidas no Sudeste, mas nunca com tamanho impacto.  Durante pelos menos dez anos, o baião sertanejo foi a música mais tocada no Brasil.  

Nos anos 1960 se deu a explosão cinematográfica, com filmes de grande impacto, a partir de Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos (1963) e Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha (1964).   

De vez em quando, quando o Sertão parece estar assimilado e manso, ele se apossa da alma de um grupo de artistas e ressurge como um Godzilla invadindo a cidade grande.