segunda-feira, 15 de julho de 2013

3239) Parafuso (16.7.2013)




O parafuso está um degrau acima do prego, em termos de evolução. Quem inventou o prego? Os primeiros eram talvez pedaços de graveto usados para perfurar e unir folhas largas da cobertura de uma cabana, fixando-as umas às outras. Depois que o metal começou a ser forjado, não custou muito perceber que ele, se pontiagudo, podia fazer o mesmo com dois pedaços de madeira. Já o parafuso exigiu uma mente mais sofisticada. A idéia de enfiar um prego torcendo-o, ao invés de batendo, deve ter ocorrido aos usuários milhares de anos antes de alguém ser capaz de esmerilhar no metal a rosca que o ajuda a penetrar e depois o mantém preso.

A palavra inglesa para parafuso, “screw”, é a mesma para o verbo que indica o ato sexual, nosso famoso verbo com F. Há um simbolismo fálico evidente, mas seria mais lógico o uso de “nail” (prego), cujo movimento corresponde de modo mais instintivo ao do ato em si. Prego e parafuso envolvem conceitos diferentes de movimento: o movimento reto para a frente e o movimento helicoidal para a frente. Para fazer a forma evoluir de um ao outro é preciso partir para um conceito totalmente diferente. Era o mesmo impasse dos sujeitos que tentaram inventar o avião construindo máquinas que batiam as asas, imitando o voo dos pássaros. Levou algum tempo até todo mundo perceber que o caminho não era esse.

O movimento helicoidal do parafuso (basicamente os movimentos simultâneos de giro em torno de si mesmo e de avanço num eixo retilíneo perpendicular – me corrijam se isto está errado) foi uma conquista conceitual sofisticada. Seria interessante ver se a fenda na cabeça (onde se insere a chave de fenda) surgiu logo, ou se os primeiros parafusos tinham uma haste projetada para cima e eram torcidos com o dedo (como as chaves comuns).

É famosa a quadrinha popular, de autor incerto: “A saudade é um parafuso / que na rosca quando cai / só entra se for torcendo / porque batendo não vai; / e se enferrujar por dentro / pode quebrar, mas não sai”. Henry James escreveu sua famosa história de terror Outra Volta do Parafuso baseado na idéia de que fantasmas perseguindo uma criança seriam (para usar uma expressão popular) um arrocho, e se fossem duas crianças seria outro arrocho maior ainda. O aperto dos parafusos não é necessariamente uma coisa ruim: sempre dizemos que Fulano de tal tem um parafuso frouxo (ou faltando) quando constatamos que ele não bate bem da cabeça. “Ter um parafuso a menos” é sinal de desorientação mental, e dizem que o painel de Aldo Locatelli no aeroporto de Porto Alegre era informalmente chamado de Bagunça na Oficina, pois os personagens pareciam todos em busca de um parafuso desaparecido.