sexta-feira, 27 de junho de 2014

3536) A palavra friquitício (27.6.2014)



Numa destas colunas, dias atrás, usei o termo “friquitício” e pedi desculpas a uma parte dos leitores, avisando que explicaria o significado. De fato tentei fazê-lo, mas ficou sobrando um parágrafo; resolvi trazê-lo para uma página nova, e um novo título. É o caso em que uma mera nota ao pé da página é capaz de crescer até tornar-se uma coluna adulta. Se alguém perguntar como estes meus textos se reproduzem, podem dizer que é por divisão celular.

Friquitício é manha, exagero, fricote. Uma reação exagerada a alguma coisa. “Vou fazer um curativo. Deixe de friquitício, foi só um arranhãozinho besta.”  Usa-se muito com pessoas que fazem uma encenação de sofrimento exagerado quando, por exemplo, têm que tomar uma injeção, ou quando um dentista tenta esmerilhar seu sorriso ou cavucar-lhe as profundidades.  Pode ter origem em fricote, agitação, cena, drama, e pode também estar contaminado de “fictício”: inventado, falso. “Essa menina está com um machucão fictício”, disse um dia alguém de vocabulário mais amplo, e os que estavam em volta guardaram aquela palavra mágica cujo significado perceberam parcialmente.

É quase um sinônimo de “pantim”, palavra já comentada aqui: “Qualquer reação exagerada, artificial, ‘valorizando’ demasiadamente uma situação que não tem muita gravidade.” (Em http://tinyurl.com/m59zndo). Um fingimento, uma mentirinha, uma valorização no sentido que lhe damos no futebol: “Houve um esbarrão muito leve mas o atacante valorizou, caiu, está se contorcendo em dores...”

Friquitícios de toda ordem estão se sucedendo na Copa do Mundo. São habituais no futebol e se dirigem ao juiz, para induzi-lo à marcação de faltas. No grande futebol, com cobertura de TV, dirigem-se também às câmeras.  Hoje em dia, os jogadores são muito conscientes de estarem sendo filmados o tempo todo.  Erguem os braços para Deus, dizem palavras de ordem ou de fé de maneira exagerada para que o público possa fazer a leitura labial, exibem marcas de patrocínio de maneira fingidamente descuidada. E na hora do esbarrão, fazem o maior friquitício.

Tenho lido muita coisa sobre a Copa e observo que o que mais irrita os não-fãs de futebol é esse friquitício, esse pantim: “Ai, seu juiz! Ele me derrubou!”.  “Parecem um bando de mocinhas, de efeminados,” bradam leitores nos saites esportivos; “é revoltante a desonestidade e a cara-de-pau desses caras, que ganham salários milionários, e em vez de jogar ficam fingindo terem sido atingidos por um esbarrãozinho de nada, para conseguir punições para o adversário.”  E eu concordo.  No jogo de futebol, no campo, tem muita coisa chata, mas a mais chata é o friquitício.