sexta-feira, 8 de março de 2013

3128) Alvin Lee (8.3.2013)



(Alvin Lee em 1975)


Morreu dias atrás, numa cirurgia que não ficou bem esclarecida, aos 68 anos, o guitarrista Alvin Lee. Vi-o pela primeira vez no filme Woodstock, cantando (e estraçalhando com os dedos) “I’m going home by helicopter”.  Era um sujeito de cara engraçada, comprida, tocava de um jeito totalmente descontraído de quem não estava nem aí. Fazia uma coisa aqui, depois outra ali, abafava as cordas, jogava uma distorção, dedilhava nos bordões, depois vinha no pezinho do braço, testando sonoridades e escalas velocíssimas, mas – atenção – sem nunca perder o senso melódico. Tudo que fazia ao improvisar tinha uma intenção musical, não se resumia à simples rapidez acrobática.

Figura engraçada, Alvin Lee. No fim da apresentação de sua banda, o Ten Years After, em Woodstock, ovacionado pela galera, alguém se aproximou dele no palco e lhe entregou uma enorme melancia. Ele agradeceu, botou a melancia em cima do ombro, acenou para a galera, e saiu dali como se tivesse subido ao palco apenas para atender um pedido de um amigo: “Olha, sobe aí e faz 10 minutos de improviso que eu te dou uma melancia”.

Guitarra é um instrumento danado de difícil, mais difícil do que violão, porque mais cheio de recursos. (Claro que podemos dizer também: o violão é mais difícil, porque os recursos são mais limitados, é preciso criar sonoridades apenas com o que está ali.) Alvin Lee não tinha apenas a velocidade supersônica que, infelizmente, acabou se hipertrofiando no rock e deixando para trás a sonoridade. Lee é da escola dos que fazem um solo longuíssimo com a guitarra aberta em notas nítidas e cristalinas com 20% de eco e 15% de distorção, apenas o necessário para que os dedilhados velozes se alternem com longas sustentações de notas que se elevam gemendo, retorcem-se sobre si mesmas como espirais de DNA e por fim deixam-se tombar no chão sonoro, enquanto o músico dispara em outra saraivada de semicolcheias que passeiam por todos os trastes ao mesmo tempo.

A guitarra é uma deusa destrutiva, uma fêmea fatal que arranca tudo de seus sacerdotes. Nunca me interessei pelos guitarristas como pessoas; nunca li uma biografia de Eric Clapton, de Jimi Hendrix, de Jimmy Page, de B. B. King... Sou capaz de escutá-los durante horas a fio, mas dez páginas da vida deles me deixam bocejando. O que dizer então de Alvin Lee, sua mais recente vítima, cujos despojos ainda palpitam diante do altar? Que descanse em paz. A parte dele que foi entregue em sacrifício à Deusa ficará viva para sempre, o que é uma maneira melodramática de dizer que vai durar mais do que eu. Se for assim, beleza. Uma cerva gelada em homenagem a Alvin Lee.